Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Nascido em 1838 na então pacata vila de Curitibanos, no planalto serrano de Santa Catarina, Salvador Ignácio Pereira emergiu como uma das figuras mais representativas de sua comunidade durante o turbulento período de transição entre o Brasil Imperial e os primeiros anos da República. Suas origens remontam provavelmente aos primeiros colonizadores luso-brasileiros da região, Salvador construiu uma trajetória que espelha o próprio desenvolvimento de Curitibanos, desde seu tempo como pequeno povoado até sua consolidação como município.
Casado com Maria Rodrigues França, igualmente radicada na localidade, Salvador formou uma família numerosa que se tornou parte integrante do tecido social curitibanense. Do matrimônio nasceram pelo menos 12 filhos e filhas, entre os quais se destacou Salvador Ignácio Pereira Filho, que em 16 de dezembro de 1893 desposou Olinda Rodrigues França, então com apenas 16 anos, em uma união que reforçou os laços entre famílias tradicionais da região. Outro descendente notável foi Olinda Inácio Pereira, cujo batismo em 26 de dezembro de 1875 na Paróquia de Curitibanos figura entre os primeiros registros de "pessoa branca" batizadas na localidade, tendo como padrinhos Manoel Rodrigues França e Maria Custódia, nomes que sugerem uma rede de parentesco e compadrio típica das comunidades rurais do século XIX.
A vida de Salvador Ignácio Pereira esteve intrinsecamente ligada à terra e ao poder local. Em 1918, já no ocaso de sua vida, recebeu uma concessão territorial no lugar denominado Papuã, no primeiro distrito de Curitibanos, abrangendo impressionantes 3.845.865 metros quadrados, equivalente a mais de 100 alqueires paulistas. Contudo, um edital publicado no Diário Oficial do Estado de Santa Catarina em 12 de outubro de 1934 revela que essas terras foram objeto de disputa, pois, devido a dívidas não quitadas, o lote acabou revertendo ao domínio do Estado, marcando um capítulo conturbado na história familiar.
Sua influência extrapolava os limites de sua propriedade. Em 1901, o jornal "O Dia", órgão do Partido Republicano, publicou uma nota dirigida a Salvador pela Inspetoria Geral de Obras Públicas de Santa Catarina, indicando seu envolvimento em assuntos administrativos ou projetos de desenvolvimento local, talvez relacionados à abertura de estradas ou melhorias urbanas, tão necessárias naquele período de crescimento.
Quando faleceu em 3 de junho de 1918, aos 80 anos, Salvador residia no Pessegueirinho, naquela época, localidade rural de Curitibanos, deixando doze filhos vivos e uma extensa descendência que continuaria a moldar a história da região. Sua morte, sem testamento, sugere tanto a simplicidade de seus últimos anos quanto a complexidade das disputas que podem ter envolvido sua herança.
Quatro décadas após seu falecimento, seu nome seria imortalizado na toponímia urbana. Em 14 de maio de 1960, através da Lei Municipal nº 432/1960, sancionada pelo prefeito José Bruno Hartmann, a antiga Rua dos Pobres, no Bairro São José, foi rebatizada como Rua Salvador Ignácio Pereira, uma homenagem que atesta sua permanência na memória coletiva como personagem fundamental na construção da identidade curitibanense.
Hoje, ao percorrer as páginas fragmentadas de sua biografia, Salvador Ignácio Pereira surge não apenas como um patriarca familiar, mas como um símbolo de uma época em que a posse da terra, os laços de parentesco e o envolvimento com os rumos da comunidade eram os pilares sobre os quais se edificava o poder local. Sua história, ainda que parcialmente reconstruída através de registros esparsos, oferece uma janela privilegiada para compreender a formação social e econômica do interior catarinense nos séculos XIX e XX. Pesquisas futuras em arquivos paroquiais, cartoriais e familiares poderão preencher as lacunas que persistem sobre esse curitibanense cujo nome permanece inscrito não apenas em placas de rua, mas na própria história de sua terra natal.