quinta-feira, 25 de março de 2021

Marcos Gonçalves de Farias



Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Foi o quinto Superintendente de Curitibanos. Assumiu como gestor municipal num período complicado e conturbado durante o curso da chamada revolta dos fanáticos ou, como ficou conhecida, a Guerra do Contestado. Entrou no lugar do Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque, que assumiu o seu lugar na 9.ª Legislatura (1913 – 1915) — onde foi eleito em 5 de outubro de 1912. Ele tomou posse no triênio e foi Vice-Presidente da Casa Legislativa, deixando a vila de Curitibanos sob os cuidados do então Coronel Marcos Gonçalves de Farias.

De acordo com o depoimento do seu neto, o senhor Francisco Carneiro de Farias feito em 1.º de agosto de 1972, que está transcrito no livro de anotações sobre a biografia dos mandatários de Curitibanos, guardado nas dependências do Museu Histórico Antônio Granemann de Souza de Curitibanos, seu avô era de origem portuguesa, mais precisamente, dos Açores. Os registros mais antigos sobre a sua família nos informam que viviam em meados do século XIX na região de Laguna, no litoral catarinense.

Ainda de acordo com esse depoimento, o nome do pai de Marcos Gonçalves de Farias se chamava José Gonçalves de Farias. O nome da sua mãe era Luiza Francisca de Quadros. Quando Marcos Gonçalves de Farias nasceu, no dia 24 de março de 1856, seus pais moravam na cidade de Laguna/SC. Marcos foi filho único, pois a sua mãe morreu no seu parto, tendo o senhor José, a responsabilidade de criar o menino sozinho. Fez isso, até quando Marcos estava com 12 anos. Nesse tempo, ele (o pai), foi convocado a apresentar-se no Batalhão Barriga Verde, de modo a obter treinamento militar para ajudar outros brasileiros na Guerra do Paraguai. Sem muitas alternativas, deixou o seu filho menor em Laguna, aos cuidados de pessoas de sua confiança.

Marcos conseguiu suportar a ausência do pai por dois anos. No ano de 1870, quando completou 14 anos, mesmo sendo menor de idade, subiu a serra, vindo parar na vila de Campos Novos. Naquele lugar, ele arrumou emprego na casa comercial da família de Manuel Ferreira da Silva Farrapo. Com pouca instrução, mas com o suficiente para poder negociar, ele se aprofundou nos conhecimentos de caixeiro ou balconista daquela casa comercial. Por seus méritos próprios, dignos de um autodidata, não demorou em tornar-se sócio do estabelecimento. Mais tarde, adquiriu o negócio e ficou dono absoluto do armazém.

Dez anos depois, em 1880, com 24 anos, já morando na vila de Curitibanos, com uma nova casa comercial estabelecida e reconhecida pelos habitantes do local, no mês de junho casou-se com a jovem Francisca de Oliveira Lemos. Desse casamento, nasceu um único filho, ao qual deram o nome de Altino Gonçalves de Farias. O casal adotou e criou vários outros filhos como se fossem de seu próprio sangue.

Marcos Gonçalves de Farias ingressou na Guarda Nacional. Em 1898, recebeu o título dentro da hierarquia militar de "Coronel". Adotou Curitibanos como seu lar, pois comprou no local, pelo menos, duas fazendas, às quais foram destinadas para a pecuária, tornando-se um dos mais importantes fazendeiros da região. Era um homem inteligente, entendido sobre vários assuntos da sua época e considerado uma pessoa sensata, sobretudo para negociar. Entrou para a política pelo Partido Republicano Catarinense — PRC. Nos quadriênios dos governadores Gustavo Richard e Hercílio Pedro da Luz exerceu por ato governamental, o cargo de 1.º Juiz Substituto da Comarca. Exerceu ainda, o cargo de Superintendente Municipal durante o período de 1914 até 1918, época do fanatismo e jaguncismo. Justamente no início da sua gestão, se fez sentir a ação destruidora dos membros da irmandade cabocla, quando foram incendiadas 22 casas da vila, inclusive a Superintendência e o seu arquivo municipal.

No início de setembro de 1914, após saber do incêndio da filial da serraria Lumber, localizada em Calmon e da morte do Capitão Matos Costa, admirado oficial do exército perto da cidade de Porto União, pressentindo que Curitibanos não escaparia de uma investida por parte dos fanáticos, o Superintendente que estava encerrando a sua gestão naquele ano, Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque resolveu abandonar a vila. Convidou alguns amigos e conhecidos, com a suas famílias, com o objetivo de fugirem para Lages, considerado por ele, um lugar mais seguro. A maioria da população que permaneceu em Curitibanos, vendo a atitude de Albuquerque, montou esconderijos nos matos, abandonando durante o dia o centro urbano da vila. Quase todos escolheram um lugar nos capões de mato a pelo menos, meio quilômetro da igreja, que era o centro da vila.

Nesse mesmo mês de setembro, intensificaram os boatos de que os jagunços não tardariam a invadir a vila de Curitibanos. No dia 25, toda a população do local já sabia com certeza e segurança, que os jagunços viriam. Toda noite a população migrava para o mato, levando cobertores e travesseiros. Durante o dia voltavam para os seus afazeres cotidianos, com muito receio de serem surpreendidos.

De Lages, o Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque dirigiu-se para São Joaquim, a sua terra natal, depois, foi para o litoral. A sua casa na vila de Curitibanos, no dia do ataque, foi incendiada, queimando com ela, os móveis finíssimos que foram trazidos de Florianópolis com muito esmero por cargueiros e objetos de valor trazidos nas costas de transportadores, que faziam esse trajeto a pé naqueles tempos, bem como, a sede da Superintendência Municipal, que também funcionava como cadeia pública.

Imaginem agora: qual foi a reação do povo de Curitibanos, ao ver seus dois gestores fugindo, abandonando os seus bens? Pois, o novo gestor Superintendente, o Coronel Marcos Gonçalves de Farias também precisou fugir. Caso contrário, se permanecesse na vila, seria morto pelos invasores.

Na manhã do dia 26 de setembro de 1914, aos gritos de “morra Albuquerque” e “chega de pobreza!”, 212 fanáticos entraram na vila de Curitibanos quase deserta. Logo que entraram, não achando resistência, começaram a destruição generalizada, mas programada. A sede da Superintendência, as casas dos funcionários e dos amigos do Coronel Albuquerque foram queimadas. Às vezes, ouve-se falar que toda a cidade foi queimada e destruída, isso não corresponde à verdade. Destruíram somente as casas de quem eles (os jagunços fanáticos) consideravam adversários, ou seja: dos amigos e partidários dos Superintendentes. Tanto Albuquerque como Marcos Gonçalves de Farias eram do mesmo partido político.

Isso foi certo, pois as casas que não foram incendiadas, comprovaram essa teoria, de que houve certa organização premeditada para esse vandalismo. Frei Gaspar escreveu haverem duas casas vizinhas uma da outra, pertencentes, uma, a um amigo dos fanáticos, e a outra, pertencente ao adversário político deles. A casa do adversário foi incendiada, mas antes, desmontaram a casa do amigo, para que essa não fosse queimada junto.

Pouparam a casa onde ficava o cartório, porque era de um dos líderes da irmandade cabocla, mas, mesmo assim, os papéis do arquivo, inclusive os livros de registro dos imóveis foram levados para a rua e espalhados na lama. O que não puderam inutilizar, queimaram.

A sede da Superintendência ficava bem perto da igreja. Ela foi queimada. Salvou-se a igreja, já em fase de conclusão e toda de madeira, não por bondade dos fanáticos, mas, porque o vento soprava do Nordeste.

Na tarde do dia 26 de setembro estava tudo terminado. Nos dias 27, 28 e 29 choveu demasiadamente. Muitos dos moradores que estavam escondidos nos matos vizinhos sofreram bastante com essa umidade, mesmo porque ainda fazia muito frio. Aos padres, os invasores nada fizeram. Pegaram sem permissão, dois cavalos do potreiro da Paróquia para uma eventual necessidade, três dias depois, devolveram os animais ilesos.

Com esse fato, adveio em Curitibanos uma total paralisação de crescimento e progresso. O Coronel Marcos Gonçalves de Farias, à frente do poder executivo, mesmo com a pequena arrecadação municipal de 8 contos de réis, reiniciou a reconstrução, colocando novamente a vila, que mais tarde atingiria todos os requisitos para receber os foros de cidade e município organizado, nos trilhos da história política, econômica e social catarinense. Ele, como um grande líder, sempre esteve presente em todas as boas e nobres aspirações curitibanenses.

Encerrou a sua gestão no dia 31 de dezembro de 1918, entregando a Superintendência para o seu sucessor, Major Euclides Ferreira de Albuquerque, filho do antecessor naquela cadeira.

Faleceu no dia 20 de outubro de 1922 em Curitibanos, com 64 anos na sua residência, que ficava próxima à Praça da República. Teve 9 netos que honraram agradecidos, o seu famoso antepassado. Ainda, pelo menos 30 bisnetos que continuam com o exemplar legado.

Em Curitibanos, o nome de Marcos Gonçalves de Farias ficou perpetuado. Em 14 de fevereiro do ano de 1953, o prefeito municipal Lauro Antônio da Costa, através da Lei Ordinária n.º 191/1953, denominou uma rua da cidade de Curitibanos com o nome de “Rua Marcos Gonçalves de Farias”.

No início dos anos 1970 existia perto de onde é hoje o Cemitério Municipal São Francisco de Assis, uma hípica de nome “Hípica Marcos Gonçalves de Farias”. O local era frequentado por pessoas apaixonadas por “carreiras” de cavalos (como se falava antigamente para as corridas de cavalos). Essa hípica era na realidade, uma sociedade organizada, e teve início nos anos 1950, quando o prefeito municipal Salomão Carneiro de Almeida doou um terreno pertencente ao patrimônio público municipal para a sua instalação e funcionamento.

No Diário Oficial do Estado de Santa Catarina do dia 23 de janeiro de 1958 foi publicado um "Projeto" de algumas alterações dos Estatutos da "Sociedade Hípica Cel. Marcos de Farias", como era o nome da sociedade. As principais alterações eram sobre as condições ou categorias de ser um sócio da entidade, bem como, sobre valores e regras de funcionamento. Tinha informações sobre como deveriam dar o acionamento da partida dos animais no início das corridas. Esse projeto foi aprovado previamente pela Diretoria da sociedade, em 19 de novembro de 1957. Na ocasião, o Presidente era o senhor Fioravante Ortigari. Edmundo Mendes era o vice-Presidente, Francisco Carneiro de Farias era o 1.º Secretário, Guerino Agostino era o 2.º Secretário e Nelson Sbravatti o Tesoureiro.




Referências para o texto:


CURITIBANOS. Lei Ordinária nº 6.326/2020. Denomina o prédio público de "Ginásio de Esportes Marcos Gonçalves de Farias".


CURITIBANOS. Lei Ordinária Nº 1024/73 - Hípica


CURITIBANOS. Lei Ordinária nº 89/1950. Autoriza o Executivo a doar à Sociedade Hípica.


CURITIBANOS. Lei Ordinária nº 191/1953 Denomina vias públicas desta cidade (Rua Marcos Gonçalves De Farias).


FARIAS, Francisco Carneiro de. Depoimento encontrado num livro no Museu Histórico Antônio Granemann de Souza e transcrito pela Professora Municipal Bernardina Maria Barbosa.


BRASIL IMPÉRIO. Lei de 18 de agosto de 1831 - Crea as Guardas Nacionaes…


BRASIL IMPÉRIO. Decreto nº 4.356, de 24 de abril de 1869. Dá regulamento para a cobrança dos emolumentos das Repartições Públicas.


Fotografia do acervo da Galeria da Prefeitura Municipal de Curitibanos.


Guarda Nacional (Brasil). On line: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Guarda_Nacional_(Brasil)


LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978. 276p.


LEMOS, Alfredo de Oliveira; LEMOS, Zélia de Andrade. A Guerra dos Fanáticos. Florianópolis: [s.n.], 1984.


LEMOS, Zélia de Andrade. Curitibanos na história do contestado. Edição do Governo do Estado de Santa Catarina, 1977. Curitibanos.


Lista de governadores de Santa Catarina. On line: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_governadores_de_Santa_Catarina


Lista de prefeitos de Curitibanos. On line: Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lista_de_prefeitos_de_Curitibanos


MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação Das Chefias Caboclas, (1912-1916). Ed. Unicamp, 2004.


Memória Política. Manoel Ferreira da Silva Farrapo. Portal da ALESC. On line: Disponível em: http://memoriapolitica.alesc.sc.gov.br/biografia/648-Manoel_Ferreira_da_Silva_Farrapo


NERCOLINI. Maria Batista. Livro de registro da história de Curitibanos. Acervo do Museu Histórico Antônio Granemann de Souza. 01 mar. 1974


Óbito de Marcos Gonçalves de Farias https://www.familysearch.org/ark:/61903/3:1:S3HY-X369-5LL?i=84&wc=MXYG-42S%3A337701401%2C337701402%2C338424601&cc=2016197


POPINHAKI, Antonio Carlos. A guerra Santa de São Sebastião na região do Contestado – (1912-1916). Amazon. Curitibanos/SC.170 p.


POPINHAKI, Antonio Carlos. Os bairros de Curitibanos. Blog de Antonio Carlos Popinhaki. On line: Disponível em: http://antoniocarlospopinhaki.blogspot.com/2021/03/os-bairros-de-curitibanos.html


QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e conflito social – A guerra sertaneja do Contestado 1912 – 1916. 2ª ed.: São Paulo: Ática, 1977. 325 p.


SANTA CATARINA. Diário Oficial n.º 6.018 de 23 de janeiro de 1958


TAMBOSI, Frei Valentim. Franciscanos em Curitibanos. São Paulo: Edições Loyola, 1993.

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