sexta-feira, 21 de outubro de 2022

Guilherme Luís Abry



Texto de Antonio Carlos Popinhaki

Para começarmos a biografia do Desembargador Guilherme Luís Abry, será necessário voltarmos no tempo, uma geração atrás à do biografado. Precisaremos escrever um pouco sobre seus pais, que se chamavam Luís Abry e Augusta Clasen. Luís, eleito oito vezes Deputado Estadual para o Congresso Representativo de Santa Catarina (Assembleia Legislativa) nasceu no dia 10 de abril de 1859, na cidade de Helmstedt, na Alemanha, local onde cresceu e concluiu seus estudos. Ele migrou para o Brasil no ano de 1873 com um primo de nome Guilherme Asseburg. Se estabeleceram na antiga Província de Santa Catarina, na Barra do Rio Itajaí, onde se tornaram comerciantes. Ao longo dos anos, Luís também foi comerciante na cidade de Blumenau, em Pomerode e no Rio de Janeiro que era a capital do Império e posteriormente, da República.

No ano de 1883, Luís abriu uma casa comercial, em sociedade com o senhor Teodoro Lüders, na área rural chamada Salto Weissbach, Blumenau. Um ano depois casou-se com Augusta Clasen, com quem teve onze filhos, entre eles, Guilherme Luís Abry, que foi Promotor Público, Juiz de Direito (inclusive, na Comarca de Curitibanos), e outras cidades catarinenses, além de progredir na carreira, chegando a ser conhecido popularmente como Desembargador no Superior Tribunal de Justiça de Santa Catarina.

Guilherme Luís Abry nasceu em Blumenau e seu nome original em alemão era Wilhelm Luís Abry, segundo o registro de seu batismo, em 3 de abril de 1886. Foi registrado no Brasil como Guilherme Luís Abry, como tendo nascido em 5 de abril de 1886 (dois dias de diferença). Com o passar do tempo, ao longo da vida profissional, ficou conhecido popularmente como Guilherme Abry, mas entre os seus, era tratado por Willy, alcunha provavelmente recebida na infância. E foi na infância que, resultado de uma queda, fraturou o pé. Por falta de recursos médicos em Blumenau para o mal que tendia a agravar-se, foi levado pelo pai à Alemanha, aos 11 anos, a fim de lá receber um tratamento mais adequado. Acabou permanecendo seis anos na cidade de Helmstedt, período em que cursou o ensino ginasial.

De volta ao Brasil, fez o Curso Clássico em Porto Alegre e, posteriormente, a faculdade de Direito na Universidade de São Paulo. Foi, em dezembro de 1909, o primeiro blumenauense a se formar Bacharel em Direito. No ano seguinte, 1910, foi nomeado Promotor Público de Tubarão, posto que ocupou por apenas cinco meses, quando foi transferido para Biguaçu, e de lá, em 1912, para Itajaí. Foi redator-chefe do “Jornal Novidades” daquela cidade.

No ano de 1914, no mês de janeiro, durante o conflito social denominado popularmente como Guerra do Contestado, foi nomeado e transferido para a Comarca de Curitibanos, para exercer a função de Juiz de Direito. Em virtude do grave conflito entre os caboclos e as forças legais, passou por muitos contratempos, tendo que fugir da cidade, em meados do mês de setembro de 1914, montado numa mula, com a qual foi até Florianópolis. Ao retornar a Curitibanos, ao cabo de algumas semanas, encontrou sua casa incendiada, tendo, na ocasião, perdido todos os seus pertences, incluindo-se aí, a sua biblioteca pessoal.

Há quem diga que a atuação do Juiz Abry em Curitibanos, principalmente no final do conflito, foi um tanto desleixada e parcial, a julgar pelo tratamento dado ao livro de registro de crimes (MORAES, 2022, p. 229). Essa parte do texto é apenas ilustrativa, com o intuito de reforçar a posição dessas pessoas.


Servirá este livro, contendo dez (10) folhas, por mim numeradas e rubricadas com a rubrica – Guilherme Abry – do meu, uso, para registro de autos crimes deste juízo. Além deste termo de abertura existe outro de encerramento na última folha deste livro. “Curitibanos, 25 de janeiro de 1915” (Livro n.º 1a, 1915). Em tese, havia cuidado do juiz de direito com a documentação. Além do termo de abertura e de encerramento, cada folha do livro era rubricada pelo juiz, avisando que ele estava ciente daqueles registros. Em análise minuciosa, foi possível perceber que as rubricas do juiz Abry foram realizadas antes de o escrivão iniciar o preenchimento do livro, pois páginas não preenchidas estavam também rubricadas. Outro fato curioso que revela o pouco cuidado do escrivão, assim como o pouco zelo do juiz, foi sua utilização para atividades escolares no ano de 1917, contendo entre suas páginas contas matemáticas, redação e poesia.


No total foram registrados 54 documentos no livro, e nenhum deles foi redigido contra vaqueanos, como o caso do piquete de Francisco de Paula Dias, vulgo Chicão. A acusação pelo crime de sedição foi a responsável pelo maior número de sertanejos denunciados em Curitibanos. Entre os sete processos de sedição, há documentos com mais de 20 caboclos denunciados. Sedição era um crime previsto no artigo 118 do Código Penal de 1890 e fundamentava-se na criminalização da violência exercida por grupos de mais de 20 indivíduos que impedissem o trabalho de funcionários públicos, ou a execução de leis e sentenças. A pena pelo crime de sedição deveria ser cumprida apenas pelos líderes do movimento, podendo variar entre três meses e quatro anos de prisão celular (BRASIL, 1890). No caso específico de Curitibanos, o juiz Guilherme Abry, no arquivamento de processo, apontou os crimes que deveriam ser denunciados: 


(...) instaurava-se processo apenas contra aqueles que, como fanáticos, seja individualmente, seja como membros de grupos, isto é, coletivamente, praticaram atos sujeitos a penas legais, tais como o incêndio, e saque, o assassinato e outros. (apud PROCESSO CRIME DE SEDIÇÃO, 1915b).


A narrativa do juiz desconsiderou como sujeito à pena legal o crime de sedição, listando os crimes de incêndio, saque e assassinato como penáveis. A sedição serviu de base concreta para denunciar grupos de sertanejos. Assim, aberto o processo, eram averiguadas as suas efetivas participações nos crimes citados pelo juiz. Logo, a sedição não era o único crime presente na denúncia.

De acordo com o Almanak Laemmert, em 1917, transferiu-se para a cidade de Mafra, onde foi Juiz de Direito daquela Comarca por cerca de 10 anos. Em 18 de setembro de 1922, casou-se com Olga Cardoso, moça nascida em Blumenau no dia 22 de junho de 1905. Portanto, na ocasião do casamento, ele tinha 36 anos e ela, 17, uma considerável diferença de idade, mas totalmente aceita pela sociedade, tratando-se de um magistrado. Os pais de Olga se chamavam Claudino José Cardoso e Rosa dos Santos Cardoso e residiam, na época do casamento, em Joinville. Chama a atenção dos pesquisadores da sua biografia, a anotação no registro do casamento da data do seu nascimento, como 26 de outubro de 1899. Do casamento, nasceu no dia 30 de julho de 1925, na cidade de Blumenau, o único filho, o qual recebeu o nome de Fausto Luís Abry. Esse filho, mais tarde, se formaria em advocacia e se tornaria funcionário público do Estado do Paraná.

No início da década de 1930, Guilherme Luís Abry morava na localidade de Colônia Hansa-Hammonia (atual Ibirama), onde, paralelamente à sua atividade profissional, exerceu o cago de secretário da primeira diretoria do Club Sportivo União Hammonia, atual Sociedade Desportiva União, fundada em 23 de abril de 1931, com a finalidade de levantar o sport em geral para o desenvolvimento physico e intellectual da mocidade, conforme reza o seu primeiro estatuto, de 30 de abril de 1931. Em 1932, foi transferido para a Comarca de Joinville. Dessa forma, na função de juiz, atuou nas comarcas de Tubarão, Biguaçu, Itajaí, Curitibanos, Mafra e Joinville, todas em Santa Catarina. Em 1937 foi nomeado Desembargador do Superior Tribunal de Justiça, evento que levou à sua mudança para a cidade de Florianópolis. 

Em Florianópolis, incentivou a criação do Rotary Club, ocorrida em 17 de setembro de 1939, tornando-se o seu primeiro presidente. Consta ainda em alguns registros antigos, ter se estabelecido durante certo período em Joaçaba, onde o seu nome figura na lista dos ex-presidentes do Clube 10 de Maio, fundado em 10 de maio de 1931. Cumpriu dois mandatos, nos anos 1942/1943 e 1943/1944.

Informa a Ata de Instalação da sessão inaugural do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, que em 7 de junho de 1945 proferiu compromisso de posse como Desembargador membro daquela entidade, tendo presidido-a de 17 de janeiro de 1947 a 1º de outubro de 1950, após ter sido vice-presidente da gestão anterior. Foi também, no período de 11 de maio a 1º de novembro de 1949, Corregedor Geral da Justiça de Santa Catarina. Exerceu as suas atividades em Florianópolis até se aposentar, no ano de 1956, com 70 anos.

Cumprida a sua missão profissional na área do Direito, retornou a Blumenau. Recolhido ao leito, vítima de persistente enfermidade, o Desembargador Guilherme Luís Abry se instalou num apartamento do Hospital Santa Catarina, onde passou o restante dos seus dias. Faleceu em 2 de agosto de 1970, vítima de acidente vascular cerebral — AVC, com 84 anos, tendo sido sepultado no Cemitério Luterano de Blumenau.

Pouco mais de um ano após a sua morte, em 21 de outubro de 1971, após Projeto de Lei apresentado pelo Deputado Aldo Pereira de Andrade, foi sancionada pelo Governador Colombo Machado Salles a Lei Ordinária Estadual n.º 4.642/1971, que denomina de “Desembargador Guilherme Abry” o Fórum da Comarca de Blumenau.

Em 6 de setembro de 1976, o então prefeito de Joinville, através da Lei Ordinária Municipal n.º 1.460/1976, denominou uma rua da cidade com o nome de “Rua Desembargador Guilherme Abry”.

Em 20 de dezembro de 2004, o então prefeito de Blumenau, Décio Nery de Lima, através da Lei Ordinária Municipal n.º 6.642/2004, denominou uma rua da cidade com o nome de “Rua Desembargador Guilherme Abry”.

Em 22 de novembro de 2017, através da Lei Ordinária Municipal n.º 4.301/2017, na cidade de Mafra, foi denominada de “Praça Desembargador Guilherme Luís Abri” uma praça no centro da cidade.



Referências para o texto:


Almanak Laemmert do Rio de Janeiro - para o ano de 1901. BD Digital


ARQUIVO DE REGISTROS DESEMBARGADOR GUILHERME ABRY. Florianópolis, 2019. Museu do Judiciário Catarinense.


Blumenau — Lei Ordinária Municipal n.º 6.642/2004, denomina rua.


BRASIL. Decreto n.º 847, de 11 de outubro de 1890. Código Penal de 1890. Brasil, 1890.


Dados da genealogia da Família Clasen gentilmente fornecidos por Renato Pimazzoni, elaborados por este com o auxílio do Dr. Niels Deeke (in memorian)


200.192.66.20/alesc/docs/1971/4642_1971_Lei.doc

www.c-mara-municipal-de-blumenau.jusbrasil.com.br/legislacao/263180/lei-6642-04


Foto da arma: Gamaliel Basílio/Assessoria de Imprensa TJSC

https://www.nsctotal.com.br/colunistas/anderson-silva/arma-usada-por-desembargador-durante-a-guerra-do-contestado-e-doada-ao-tj


https://www.portofeliz.am.br/noticia/105911/arma-usada-por-desembargador-durante-a-guerra-do-contestado-e-doada-ao-tj


http://arquivodeblumenau.com.br/a/


https://tj-sc.jusbrasil.com.br/noticias/601208161/museu-do-judiciario-recebe-doacao-de-arma-usada-no-contestado-por-desembargador-do-tj


Imagem: www.tre-sc.jus.br


Santa Catarina — Lei Ordinária Estadual n.º 4.642/1971, denomina Fórum.


SECCHI, Sandra Maria De Hansa Hammonia a Ibirama. On-line, disponível em: https://www.ibirama.sc.gov.br/noticia/3581/de-hansa-hammonia-a-ibirama#.Y1Go5nbMKUk


Joinville — Lei Ordinária Municipal n.º 1.460/1976, denomina rua.


LICKFELD, Wieland Curitibanos: Dr. Guilherme Luiz Abry - Juiz de Direito nos tempos da Guerra do Contestado. Blog Notas à História do Meio Oeste e Oeste Catarinense, e região do Contestado. On-line, disponível em: http://wielandlickfeld.blogspot.com/2014/09/curitibanos-dr-guilherme-luiz-abry-juiz.html


Mafra — Lei Ordinária Municipal n.º 4.301/2017, denomina praça.


MEMÓRIA POLÍTICA DE SANTA CATARINA. Biografia Luís Abry. 2022. Disponível em: <https://memoriapolitica.alesc.sc.gov.br/biografia/619-Luis_Abry>. Acesso em: 20 de outubro de 2022.


MORAES, João Felipe Alves de. O Lugar do Contestado na História do Brasil/ Márcia Janete Espig, Alexandre Assis Tomporoski, Delmir José Valentini, Paulo Pinheiro Machado, Rogério Rosa Rodrigues (organizadores) Vitória: Editora Milfontes, 2022. 586 p.: 23 cm.


PROCESSO CRIME DE SEDIÇÃO. Réu: Serafim Manoel de Jesus. Curitibanos, 1915b. Acervo: Museu do Judiciário Catarinense.


www.tre-sc.jus.br


www.clube10demaio.com.br


www.timesdelbrasil.com.br


www.cgj.tjsc.jus.br


www.rotaryflorianopolis.org.br




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