quinta-feira, 26 de junho de 2025

Lau Fernandes


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Nicolau Fernandes, mais conhecido pelo apelido de Lau Fernandes, nasceu em 1.º de setembro de 1892 na pequena localidade de Campo do Tenente, no interior do Paraná. Naquela época o local estava sob a jurisdição da Comarca de Rio Negro. Filho de Joaquim Fernandes de Anhaya e Maria Luiza Ferreira, cresceu em um ambiente rural marcado pelos conflitos fundiários que caracterizariam mais tarde a região do Contestado. Desde jovem, demonstrava habilidades de liderança e conhecimento profundo do território, qualidades que o tornariam uma figura-chave no conflito que marcaria a história do Sul do Brasil.

A Guerra do Contestado (1912-1916) encontrou Lau Fernandes já estabelecido como um dos vaqueanos mais respeitados e temidos da região. Inicialmente integrando o piquete do lendário Pedro Ruivo (Pedro Leão de Carvalho), logo destacou-se por sua coragem e eficiência militar. Seu conhecimento do terreno e sua rede de relações locais fizeram dele um aliado valioso para as forças legalistas. Com o tempo, formou seu próprio grupo de combatentes, chegando a comandar centenas de homens em operações contra os redutos rebeldes.

O ano de 1915 marcou o ápice da atuação militar, bem como do Piquete ou grupo de homens armados de Lau Fernandes. Em outubro, liderou pessoalmente o ataque ao reduto de Pedras Brancas, um dos mais importantes bastiões dos rebeldes. A operação, executada com precisão militar, resultou na destruição completa do povoado e na dispersão de seus habitantes. Testemunhas relatam que seus homens agiram com extrema violência, incendiando casas e a pequena igreja local, além de saquear todos os bens que encontraram. Dois meses depois, repetiria o feito nos redutos de São Sebastião e São Pedro, consolidando sua reputação como um dos mais eficientes comandantes das forças legalistas.

O sucesso de Lau Fernandes deveu-se em grande parte à sua profunda compreensão da psicologia dos sertanejos e do terreno onde operava. Diferente de muitos oficiais do Exército enviados para a região, ele conhecia pessoalmente muitos dos líderes rebeldes e sabia como explorar suas fraquezas. Suas táticas combinavam ações de choque com estratégias de cerco e isolamento, cortando o suprimento de alimentos e informações dos redutos antes de atacá-los. Essa abordagem meticulosa explica seu impressionante índice de sucesso nas operações militares.

Após o término do conflito em 1916, Lau Fernandes estabeleceu-se definitivamente em Canoinhas, Santa Catarina. Ao contrário de muitos vaqueanos que caíram no esquecimento, ele manteve prestígio e influência na região. Trabalhou como funcionário público até se aposentar, demonstrando uma notável capacidade de adaptação ao novo contexto político do pós-guerra. Sua casa tornou-se ponto de encontro para veteranos do conflito e curiosos interessados na história do Contestado.

Nos últimos anos de vida, Lau Fernandes tornou-se uma espécie de memorialista involuntário do conflito. Em conversas com vizinhos e pesquisadores, confirmou muitos dos relatos históricos sobre a guerra, embora sempre com ressalvas sobre pequenos detalhes. Sua morte em 17 de maio de 1980, aos 87 anos, encerrou a vida de um dos últimos participantes diretos daquele que foi um dos maiores conflitos sociais da história do Brasil. Sepultado em Canoinhas, deixou oito filhos e um legado complexo que ainda hoje divide historiadores entre aqueles que o veem como um restaurador da ordem e os que o consideram um agente da violência estatal contra populações marginalizadas.



Referências para o texto:


ALVES, Sebastião Luiz. Guerra do Contestado. Curitibanos/SC. Edição do Autor. 2012. 28 p.


CAMPOS, Ricardo de. Caboclos Rebeldes: uma aventura pela guerra do Contestado. Canoinhas/SC: Edição do autor. 2016.


Cartório de Registro Civil de Pessoas Naturais. Certidão de óbito de Nicolau Fernandes. Registro em: 19 maio 1980.


Fotografia disponibilizada pelo Museu Histórico Antonio Granemann de Souza de Curitibanos, Santa Catarina.


GUDAS, Diego. A Trajetória do Vaqueano Pedro Leão de Carvalho, o Pedro Ruivo, e sua Relação com o Movimento Sertanejo do Contestado. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional). Universidade do Contestado (UNC), Canoinhas/SC, 2021.


MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas (1912 – 1916) / Paulo Pinheiro Machado. – Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.


Memórias: General Vieira da Rosa : participação na Guerra do Contestado / [organização editorial Augusto César Zeferino, Gunter Axt, Helen Crystine Corrêa Sanches]. – Florianópolis : MPSC, 2012. 219 p.


POPINHAKI, Antonio Carlos. A guerra Santa de São Sebastião na região do Contestado – (1912-1916). 3.ª Ed.  - Curitiba/PR - Maxigráfica. 2024.150 p.


QUEIROZ, Maurício Vinhas de. Messianismo e Conflito Social. 3.ª Edição. São Paulo, Editora Ática, 1981.



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