Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Maria Rosa emergiu como uma das figuras mais carismáticas e enigmáticas da Guerra do Contestado (1912-1916), movimento sertanejo que reuniu milhares de caboclos em resistência contra a expropriação de terras e a repressão do Estado. Filha de Elias de Souza, conhecido como "Eliasinho da Serra", ela tinha entre 15 e 16 anos quando assumiu a liderança espiritual do reduto de Caraguatá, um dos principais centros de resistência dos rebeldes.
Sua ascensão ocorreu após a destruição do reduto de Taquaruçu pelas tropas governistas em 8 de fevereiro de 1914. Vestida sempre de branco, com fitas azuis e verdes e adornada com penas de pássaros, Maria Rosa personificava a ligação entre o mundo terreno e o espiritual. Acreditava-se que recebia mensagens do monge José Maria, falecido em 1912, durante transes místicos, e suas visões orientavam as decisões dos rebeldes. Sua eloquência natural e sua aura sagrada conquistaram a devoção dos sertanejos, que a viam como uma intermediária divina.
Em março de 1914, Maria Rosa liderou uma das maiores vitórias dos “pelados” (pessoas que aderiram à Irmandade Cabocla) contra as forças oficiais. Durante o combate de Caraguatá, os rebeldes, utilizando táticas de guerrilha e emboscadas, infligiram pesadas baixas às tropas do tenente-coronel Gameiro. A estratégia incluía até mesmo homens vestidos de mulheres para distrair os soldados, enquanto franco-atiradores, escondidos em árvores e ocos de imbuias, dizimavam a coluna militar. A vitória consolidou sua autoridade, mas também marcou o início de práticas radicais, como a exumação de cadáveres de soldados, vista pelos rebeldes como uma forma de purificação da terra sagrada.
Sua liderança não se limitava ao campo espiritual. Maria Rosa organizava a defesa dos redutos, distribuía funções entre os comandantes militares e administrava os escassos recursos da comunidade. Seu lema, “quem tem mói, quem não tem mói também, e no fim todos ficam iguais” refletia um ideal comunitário que desafiava as desigualdades sociais da época. No entanto, seu poder absoluto também incluía decisões duras, como execuções sumárias de supostos traidores.
O declínio de Maria Rosa começou quando tentou negociar secretamente com o capitão do exército João Teixeira de Matos Costa, gerando desconfiança entre seus seguidores. Acusada de fraqueza, foi gradualmente substituída por lideranças militares mais aguerridas, como Francisco Alonso (Chiquinho Alonso), veterano de Canudos. Em meados de 1914, após a migração para o reduto de Bom Sossego, ela perdeu influência e desapareceu dos registros históricos. Algumas fontes afirmam que morreu em combate no Rio Caçador Grande em 1915, enquanto outras sugerem que sobreviveu em anonimato.
Apesar de sua breve atuação, Maria Rosa deixou um legado duradouro. Sua figura foi apropriada de formas contraditórias: demonizada como “fanática” pela historiografia oficial, reverenciada como heroína pela memória popular e reivindicada como símbolo de resistência por movimentos sociais. Em 2012, a Câmara de Vereadores de Curitibanos instituiu a “Comenda Maria Rosa”, homenageando mulheres que se destacam na luta por justiça social na história de Curitibanos. Sua história permanece como um testemunho da coragem e da complexidade do Contestado, onde fé, política e resistência se entrelaçaram numa guerra pela sobrevivência de um povo marginalizado.
Referências para o texto:
Textos de Antonio Carlos Popinhaki, Kassia Rossi, Paulo Pinheiro Machado e registros históricos da Guerra do Contestado.
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