segunda-feira, 20 de novembro de 2023

Emília Tulchak


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Ao escrever a história de Emília Tulchak, precisarei volver minha mente para um passado distante, não só um passado, mas também um lugar. Refiro-me ao final do século XIX, na região conhecida como Rutênia ou Ucrânia. A partir da segunda metade desse século, a região estava sob o domínio do Império Austro-Húngaro e esteve envolvida em guerras de separação e independência. Prevalecia na região, também chamada de Galícia, o sistema de servidão, onde, a grande maioria da população era servil. Os poucos senhores feudais e a própria igreja católica ortodoxa exploravam os camponeses, extraindo deles 85% de todo o resultado do seu trabalho, tempo e talentos. 

Foi nesse ambiente que a família Tulczak se encontrava. Talvez seja difícil para nós, em nossos tempos, com a nossa cultura, entender ou compreender tal situação de extrema pobreza e de sofrimento. Para os camponeses não havia esperanças. Para uma pessoa nascida no meio da plebe, havia a forçada e disfarçada conformação da precária situação, pendendo muito mais para a escravidão, pois não havia opções ou esperanças de melhoria de vida. Mesmo quando o feudalismo foi abolido, os camponeses não conseguiram comprar terras ou sobreviver nelas.

Certo dia apareceu na região onde a família Tulczak morava, agentes de imigração oriundos de um lugar muito distante. Um lugar chamado Brasil. Esses agentes, estrategicamente, espalharam por vários países da Europa, panfletos e convites para as famílias deixarem suas terras e virem para o Brasil, para trabalhar. Com isso, consequentemente, prometiam-lhes prosperidade. Havia um panfleto, com uma imagem de um homem, este estava no Brasil, deitado numa rede amarrada em duas opostas palmeiras, sob o sol tropical. Esse personagem estava deitado, com a fisionomia de felicidade. Ao lado da rede havia um baú abarrotado de moedas que chegavam a cair no chão de tão cheio que estava. Numa das palmeiras, havia um cacho de suculentas bananas. “Venha para o Brasil”, dizia o panfleto, “um lugar de trabalho, calor e prosperidade”. Esse panfleto e os argumentos apresentados pelos agentes de imigração, convenceram milhares de pessoas e famílias a abandonar suas difíceis vidas e mudarem para o Brasil.

As famílias selecionadas seriam designadas para uma área especial, onde estariam juntas, em colônias, separados por países de origem, idioma e cultura. Os ucranianos viriam para o sul do Brasil, para o sul do estado do Paraná e norte de Santa Catarina. Eles, naquele tempo do contato com os agentes de imigração, não sabiam nada sobre essas localizações geográficas.

A verdade é que o novo governo republicano brasileiro, desejando dar continuidade com os anseios e projetos do imperador Dom Pedro II, de construir uma ferrovia de integração, ligando o estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul, precisava de mão-de-obra. Havia dificuldades de conseguir trabalhadores no Brasil. Não havia mais negros escravos, estavam libertos pela Lei Áurea de 13 de maio de 1888. Também, não se podia contar com a ajuda dos indígenas e nem com os caboclos que moravam nas matas, esses viviam da extração da erva-mate. 

Os generais republicanos, Manuel Deodoro da Fonseca e Floriano Vieira Peixoto, primeiros dirigentes do Brasil-República, tinham outros interesses e objetivos disfarçados nessa tentativa de povoar e colonizar o sul do Brasil com imigrantes europeus. Esses não serão tratados neste texto, em particular.

No ano de 1895, Luty Tulczak, de 32 anos, sua esposa Maria, de 28, e o pequeno Pavel de 5 anos foram contemplados ou aceitos para imigrarem para o distante Brasil, “um lugar onde as bananas nasciam em palmeiras”. Havia muitas outras famílias de conhecidos que também se dispuseram a enfrentar essa nova adversidade, de deixar suas casas e partir para uma terra desconhecida, pois o sofrimento era demasiadamente grande na Galícia. Durante aquele ano de 1895, conseguiram reunir o mínimo necessário para tão grandiosa aventura. Todos sabiam que a parte da viagem mais difícil, seria atravessar o grande oceano Atlântico. As famílias viajaram de trem, por quase 2 mil quilômetros, até o porto de Gênova, na Itália. Outras famílias de imigrantes ucranianos seguiram para Hamburgo, na Alemanha. O destino era o porto do Rio de Janeiro, no distante Brasil.

No dia 28 de novembro de 1895, após enfrentarem, literalmente, o “inferno” no mar, a família Tulczak, desembarcou no destino. O navio fazia parte de uma frota de navios italianos e se chamava “Vapor Pará”. Partiu de Gênova e fez diversas escalas. No relatório da “Repartição Central das Terras e Colonização”, diz que, naquela viagem, desembarcaram, no Brasil, 1.179 passageiros na terceira classe. Houve 2 mortes no meio da travessia do oceano.

Na lista de passageiros do navio, na página 7, estão os nomes dos integrantes da família Tulczak. Alguns nomes foram alterados, sendo traduzidos para o italiano ou português. Luty Tulczak, virou Luca Tulczak, Maria permaneceu sem alterações. O nome do pequeno Pavel, foi alterado para Paolo Tulczak. Tempos depois, a grafia dos nomes e sobrenome, sofreriam novas alterações. Os registros são de número 74, 75 e 76.

Após desembarcarem no porto do Rio de Janeiro, todos foram alimentados, tendo sido designados para a Hospedaria de Imigrantes em Pinheiro, onde passaram por uma espécie de quarentena, até serem reconduzidos para prosseguir viagem até o destino final. No dia 22 de dezembro de 1895, perto do natal, embarcaram num novo navio, com destino ao Porto de Paranaguá, no litoral do estado do Paraná. De Paranaguá, subiram a Serra do Mar de trem até a cidade de Curitiba. No Paraná, foram registrados como imigrantes. Luty Tulczak foi registrado no livro n.º 821, com o número 5983, sua esposa, Maria Tulczak, no mesmo livro, com o número 5984 e o pequeno Pavel Tulczak, no mesmo livro, com o número 5985.

A capital paranaense, no final do século XIX, era muito pequena. As ruas eram, na sua maioria, cheias de barro e banhados. E também eram estreitas. Em Curitiba, os imigrantes ficavam acampados em barracas fora da cidade. Nesse local, ficaram vários meses alojados como moradores. Não havia apenas rutenos ou ucranianos, havia poloneses também. O idioma da Polônia é diferente do idioma ucraniano, sendo parecidos devido à origem eslava. Havia desentendimentos entre as duas etnias, tanto, que mais tarde, na cidade de Antonio Olinto, houve uma visível separação entre os poloneses e os ucranianos, com igrejas e cemitérios distintos e separados.

Os desentendimentos entre as etnias ucraniana e polonesa eram puramente de origem religiosa. Quase que inacreditavelmente, ambos os grupos étnicos, ucranianos e poloneses eram da fé católica. Os ucranianos professavam a sua fé, segundo os princípios, a liturgia e o calendário do rito grego. Os poloneses o faziam conforme o rito latino. Ambos, os grupos de imigrantes eram extremamente ligados às suas igrejas.

Após permanecerem hospedados por meses nas barracas ao redor de Curitiba, a família de Luca Tulczak e os demais imigrantes receberam a confirmação de que receberiam terras no interior do Estado do Paraná. Quando essa notícia foi divulgada, a euforia tomou conta de todos. “Finalmente, após tantos anos de sofrimento, chegava, afinal, a oportunidade que tanto almejaram. Nada do “Senhor Feudal”, nada do “senhorio”, nada de ter que pagar pedágio, corveia, tributos, nada de Imperador. O Brasil era uma república. Por ser uma terra distante da Galícia, era uma terra de oportunidades. Um lugar, onde, certamente, bananas nasciam em palmeiras e o ouro deveria ser abundante, por mais que eles ainda não tivessem visto nada parecido com a propaganda que lhes foram apresentadas na Europa. Nas suas mentes, isso certamente deveria existir, em algum lugar no vasto Brasil, agora estavam perto demais”. Esse era o pensamento de muitos imigrantes no momento em que a notícia da distribuição de terras lhes foi anunciada.

 Naquela época, a floresta de araucárias e a mata nativa era muito assustadora, nada era parecido com as imagens divulgadas pelos agentes de imigração. Nada de palmeiras, nada de bananas, nada de ouro. Só mato! Ao partirem de Curitiba para o interior, talvez pensassem e refletissem relutantemente, se não estariam indo para o inferno, porque até aquele momento, não puderam contemplar nada que se parecesse com o Brasil, que lhes fora apresentado na Europa.

Quanto mais se distanciavam de Curitiba, não avistavam nenhuma palmeira, muito menos, os cachos de bananas. Era apenas mais uma viagem interminável. Parecia-lhes que não chegariam nunca no destino que lhes fora prometido. Quantas viagens? Da Ucrânia até o porto europeu. A travessia sobre o Oceano Atlântico. A travessia do Rio de Janeiro até Paranaguá. A subida da Serra do Mar, de trem, de Paranaguá a Curitiba. De Curitiba para onde mesmo? Enquanto caminhavam, observavam a vegetação, que era composta de florestas fechadas. “Que árvores magníficas aquelas imensas araucárias”. As pessoas as chamavam de “pinheiros”. Para alguns, já era um nome familiar, pois era igual ao nome da hospedaria de Pinheiro do Rio de Janeiro. Para outros, uma novidade. Mal sabiam eles, que futuramente, aquela árvore salvaria a vida de muitos com o seu precioso fruto, o pinhão, servindo-lhes de alimento.

O Serviço de Colonização do Estado do Paraná foi o órgão responsável pelo processo de povoamento e assentamento dos imigrantes na Colônia de Antonio Olinto. No ano de 1895, o diretor Cândido Ferreira Abreu demarcou a área em 400 lotes de 10 alqueires cada. Ele os destinou aos imigrantes eslavos, poloneses e ucranianos. Inicialmente, na época da demarcação das terras, o nome do lugar era “Colônia Pequena”, depois, em 1902, recebeu a implantação de um distrito policial e a denominação de Antonio Olinto, em homenagem ao Ministro da Indústria, Viação e Obras Públicas, responsável pela colonização ucraniana no Brasil, Dr. Antonio Olinto dos Santos Pires.

Luty Tulczak ficou conhecido na região de Antonio Olinto como Lucas Tulchak. Assim aconteceu com vários imigrantes ucranianos e poloneses, tendo seus nomes e sobrenomes alterados por ocasião de registros em cartórios e em livros das próprias igrejas. Seu filho, Pavel Tulczak também teve o seu nome e sobrenome alterados para Paulo Tulchak. Outras variações do sobrenome foram encontradas nos registros dos cartórios de Antonio Olinto e Três Barras, como “Tulchesk”, “Tulchaski”, “Tulchesky”. Após se estabelecer com a sua família nas terras que lhes foram designadas, com muito trabalho e determinação, conseguiu edificar a sua moradia.

A floresta era densa e escura, cheia de cobras e animais selvagens. Esses animais não tinham receio nenhum dos novos moradores, chegavam bem na frente das casas dos imigrantes. O medo era constante, principalmente para quem tinha crianças pequenas. Essas poderiam fugir da vista dos pais e serem capturadas ou atacadas por qualquer animal. Esse medo perseguia diuturna e constantemente os casais de imigrantes.

Não tenho muitas informações sobre como foram os primeiros anos de vida do casal Lucas e Maria Tulchak no interior de Antonio Olinto. O que sabemos é que a família cresceu. Conforme está registrado sob o n.º 549, no Livro de Nascimentos do Cartório Civil de Antonio Olinto, na folha 191 e verso, diz que compareceu na sede do cartório, Lucas Tulchak, e “declarou que na casa da sua residência, neste Districto, nasceu uma criança do sexo feminino, que recebeu o nome de “Emília”, nascida às 9 horas do dia 9 de abril de 1905 (...). São avós paternos: Theodoro e Barbara Tulchak. Maternos: Miguel Kiczan e Paraskevia Kiczan, falecidos”. Dessa forma, a família agora tinha uma menina para alegrar a casa e tornar a vida um pouco mais suportável.

Emília Tulchak cresceu frequentando a igreja ucraniana de Antonio Olinto, aprendeu a ler e a escrever o necessário. Naquele tempo, o desenvolvimento formal e intelectual era para os meninos do sexo masculino, tanto é que a maioria das escolas existentes era para os meninos. As meninas e as moças deveriam aprender a ser boas mães e fazer as atividades cotidianas do lar, como cozinhar, lavar e criar os filhos. 

Quando tinha 16 anos, Emília começou a namorar um rapaz de nome Gregório, filho de Alexandre e Anna Popinhak. Esses, eram imigrantes ucranianos, vindos na mesma viagem que trouxe seus pais Lucas e Maria em 1895. Gregório, tal como Emília, era brasileiro, nascido em Antonio Olinto. Quando começaram a namorar, Gregório tinha 23 anos. Já era um homem adulto, enquanto Emília, ainda era uma moça, menor de idade. O namoro resultou numa gravidez precoce e não planejada. Em 1921, nasceu uma menina, filha de Gregório e Emília, à qual recebeu o nome de “Rosália”, chamada unicamente por “Rosa”.

Naquele tempo, muitos registros de nascimento e de casamento eram feitos tardia e posteriormente às datas dos eventos. Os registros de nascimentos de Gregório Popinhak e de Emília Tulchak foram feitos muitos anos depois, em 19 de junho de 1922. Isso aconteceu devido ao casamento, que ocorreu em 1.º de julho de 1922. Não tenho notícias se o jovem casal, após o casamento, foi morar com a família de Alexandre ou com a de Lucas, ou mesmo, se saíram das casas dos pais, e/ou se foram morar sozinhos, numa outra propriedade ou numa casa alugada. O que tenho de informações após o casamento diz respeito ao trágico acidente ocorrido com a filha do casal, Rosália. Antes de relatar esse fato, apenas quero deixar registrado que na ocasião do casamento de Gregório e Emília, Alexandre Popinhak tinha 67 anos e sua esposa, Anna, 60. Lucas Tulchak tinha 62 e sua esposa Maria, 56.

A desatenção com as crianças rondava a mente dos filhos dos imigrantes. Havia muito trabalho a fazer. Pais e mães tinham responsabilidades distintas, mas não menos importantes pelo gênero. Não é segredo que a família de Gregório e Emília era pobre, que estava alicerçada no trabalho contínuo, numa tentativa de melhoria de vida. Gregório trabalhava fora e Emília nos afazeres domésticos. Ainda uma moça, na sua juventude, Emília teve que absorver a dura realidade de uma dona de casa, de ser mãe e adjutora do marido. Certo dia, no segundo semestre de 1923, ela resolveu fabricar sabão num caldeirão. Aprendera a técnica com sua mãe e com as outras mulheres ucranianas. Enquanto o caldeirão estava ainda quente, com os ingredientes fervendo, num desses lapsos de tempo e descuido, Emília não percebeu que a pequena Rosa pendurou-se num dos lados do caldeirão. Ela puxou o mesmo pela alça, fazendo com que o mesmo virasse sobre si, derramando o seu conteúdo, que estava fervendo, sobre o seu frágil corpo, culminando com a sua tenra vida. Tal tragédia ocorreu em 30 de outubro de 1923. Rosa tinha 1 ano e 6 meses de vida. 

Aquela tragédia abalou consideravelmente a família de Gregório Popinhak. No dia 9 de abril de 1923, havia nascido a segunda filha do casal, à qual recebeu o nome de Ana Popinhak. Quando Rosa morreu, Ana tinha seis meses. Emília aprendera cedo a ter que se virar com crianças pequenas que nasciam quase que anualmente. Depois da fatalidade com Rosa, a família mudou-se para a cidade de Três Barras/SC, onde estava instalada uma enorme serraria. Geralmente era para esse lugar que os filhos dos imigrantes se dirigiam para buscar emprego. Emília ficou muito abalada e só engravidou novamente em outubro do ano de 1924, pois a terceira filha do casal nasceu em 5 de junho de 1925, já em Três Barras. Deram a essa filha o nome de Miquelina Popinhak.

Em Três Barras, nasceram, quase anualmente, sete filhos e filhas, às quais tiveram os nomes de Miquelina, Bruneslava, Pedro, João, Joanna, Helena e Antonio. A família morava na localidade de Colônia Tigre. Após alguns anos de sofrimentos, de serviços braçais, o pai de Emília, tentou auxiliar o genro e a filha, vendeu alguns alqueires de terras que possuía em Antonio Olinto e deu o dinheiro para Gregório montar um armazém na localidade. 

Lucas Tulchak teve as melhores das intenções, desejou ardentemente que a sua filha fosse feliz. A cada visita, presenciava o sofrimento dela, com todos aqueles filhos e filhas que não paravam de nascer. Gregório não tinha instrução e nem era especializado em alguma profissão. "Quem sabe, se com a casa comercial poderia se sair melhor". Dessa forma, Lucas devaneava, na esperança de dias melhores para a sua prole. Lucas estava com mais de 70 anos, já não podia mais trabalhar na terra e nem tirar dela o resultado agrícola, como acontecia nos primeiros anos em Antonio Olinto. Dessa forma, julgou que se vendesse a metade das suas terras e auxiliasse o genro e a filha, talvez, pudesse contemplar alguma alegria nos seus derradeiros dias de vida.

Emília, ainda em Três Barras, teve outro dissabor. Em 1934 faleceu a sua pequena filha Joanna. A causa da sua morte foi “infecção por vermes”. A insalubridade e o descuido com a higiene, naquela época e lugar, eram assombrosos. Não havia a disponibilidade de medicamentos, como temos hoje em dia, especialmente, vermífugos para as crianças.

Foi nesse tempo que o Armazém de Gregório Popinhak foi fundado na Colônia Tigre, interior de Três Barras. A ideia era ótima, o local era movimentado. Havia muitos moradores que poderiam comprar no novo armazém. Infelizmente, quando a dádiva é demasiada e vem fácil, também esvai-se da mesma forma. Sem nenhum entendimento em negócios, Gregório começou a vender fiado e o pouco de dinheiro que entrava no caixa, gastava com mulheres e bordéis. Também começou a beber. Além de perder todo o dinheiro da venda das terras do sogro, perdeu o armazém, as mercadorias e contraiu dívidas. Acabou sendo preso por causa dessas dívidas. Mais uma vez, quem o socorreu foi Lucas Tulchak. Ele o tirou da cadeia, pagando a fiança exigida por lei.

Foi no mesmo ano de 1936, no ano em que nasceu o seu último filho naquela localidade, ao qual chamaram de Antonio, que Lucas Tulchak faleceu. Foi no dia 19 de abril de 1936 que ele deixou este mundo, com seus 72 anos. Para Emília foi uma perda irreparável, pois via na figura do pai, a força e o amparo necessário para continuar com a sua vida de mulher, esposa e mãe. Ela tentava ensinar as filhas mais velhas a cuidar dos menores. Ana, a mais velha, estava com 11 anos e praticamente já fazia os serviços de uma dona de casa, lavando, passando, varrendo, cuidando dos irmãos e irmãs menores.

O ano de 1936 foi mesmo um ano muito ruim para a família de Gregório e Emília. A morte de Lucas foi crucial para que pedissem ajuda externa. Tinha um irmão de Gregório, que morava num lugar distante, chamado de Curitibanos/SC, que, talvez, pudesse ajudar. O nome desse irmão era João. Era o filho mais velho de Alexandre e Anna. Havia saído de Antonio Olinto ainda criança, cedido por seus pais para ser criado por uma família de tropeiros curitibanenses. 

Em Curitibanos, João Popinhak prosperou. Cresceu e aprendeu uma profissão. Era exímio construtor, carpinteiro e marceneiro. Foi tropeiro e administrador. Em 1927 venceu a licitação e construiu o prédio da nova Superintendência/Prefeitura de Curitibanos. Esse edifício abriga atualmente o Museu Histórico Antonio Granemann de Souza. Como construtor, após ter ajudado na construção de uma balsa sobre o Rio Marombas, recebeu a concessão da prefeitura para explorar a travessia de veículos e pessoas sobre o mesmo rio. Gregório ainda tinha outro irmão, de nome Basílio, esse também morava em Três Barras. Tinha várias filhas. Como o irmão, sempre passou por dificuldades e se envolveu com o consumo de bebidas alcoólicas até que culminou com a sua vida, degolando-se em 17 de outubro de 1951.

Sabendo das dificuldades que seus irmãos, esposas e familiares estavam passando em Três Barras, João Popinhak mandou chamá-los para virem morar em Curitibanos, onde lhes prometera arrumar serviço para atender às suas necessidades. Bazilio não aceitou a ajuda, preferindo permanecer em Três Barras trabalhando como operário nas madeireiras e em serviços de extração e manuseio de erva-mate. Gregório, que sempre era amparado pelo sogro, não viu outra alternativa a não ser aceitar o convite do irmão mais velho, que ele mal conhecia, pois quando nasceu, João não estava mais na casa dos pais.

A situação não estava nada boa para Gregório e a família. Juntaram todos os pertences da família em alguns baús grandes. Colocaram esses baús acomodados sobre uma carroça alugada. O destino não era muito longe. Era a estação ferroviária de Três Barras. Depois, foram carregados os baús e a família num trem, que os conduziu até a cidade de Caçador, estado de Santa Catarina. 

A viagem era dificultosa devido aos parcos meios de transportes existentes. Na cidade de Caçador, a solução foi mesmo o ônibus de linha. Esse ônibus passava pela localidade Marombas. No dia em que eles embarcaram com destino à localidade Marombas, o ônibus não estava muito cheio de passageiros. Mas veio carregado com os baús e a família de Gregório Popinhak, o que deu uma sensação de “lotado”.

Emília trouxe o pequeno Antonio em seus braços durante toda a viagem, desde Colônia Tigre até Marombas. Ao chegar na localidade Marombas, Gregório Popinhak e sua família, foram logo acomodados num “velho paiol, caindo aos pedaços”. Mais tarde, após algum tempo, João Popinhak mandou construir uma nova casa para a moradia da família de seu irmão. Foi feita de forma a abrigar toda a família e também funcionar como escola. Gregório recebeu a tarefa de cuidar dos negócios da balsa, sob a supervisão de João, que tinha a concessão municipal. é importante deixar bem claro que a concessão de exploração dos serviços da balsa era de João Popinhak. Nesse caso, Gregório seria um empregado informal terceirizado do seu irmão mais velho. Trabalhou nesse serviço bem antes da fábrica de pasta mecânica e papelão ser construída em 1942. Mesmo estando numa situação melhor daquela da Colônia Tigre, Gregório nunca trabalhou num serviço que o remunerasse satisfatoriamente e atendesse a demanda da sua família. 

A partir do ano de 1938, começaram, novamente, a nascer filhos e filhas. Em Marombas, nasceram mais 6: Maria Odete, José Rogério, Noely Terezinha, Leniro Salvador, Maria Célia e Eolita. Em 2 de janeiro de 1946, Gregório foi admitido como um funcionário formal na fábrica de papelão existente no local. O endereço foi alterado (de Três Barras (Colônia Tigre), para Marombas), entretanto, os problemas continuaram. Ocorreram outras mortes de filhos de Gregório e Emília. Em 24 de dezembro de 1939, José Rogério faleceu de sarampo. Em 19 de janeiro de 1941, Noely Terezinha faleceu de meningite. No dia 19 de julho de 1942, Leniro Salvador, também faleceu de meningite. A meningite é uma infecção que se instala quando uma bactéria ou um vírus, por alguma razão, consegue vencer as defesas do organismo e ataca as chamadas meninges. Essas meninges são membranas que revestem e protegem o sistema nervoso central, a medula espinhal, o tronco encefálico e o encéfalo. As precariedades em que viviam as crianças, com a total falta de uma observação de higiene mais acurada, provavelmente tornaram-nas frágeis para a infecção.

Emília Tulchak passou por 15 gestações sabidas e registradas. Passou por atrozes sofrimentos morais e físicos. Passou vergonha, passou fome e privações. Como mãe, fez o que estava ao seu alcance no cuidado com os filhos e filhas. Quem é mãe, sabe que não dá para cuidar de muitas crianças pequenas ao mesmo tempo. Algo tem que perecer. Isso justificou a morte das cinco crianças (Rosa, Joanna, José, Noely e Leniro). Mesmo em caso de doenças, não havia como atendê-las, sem se descuidar das demais.

A sofrida Emília Tulchak faleceu num dos leitos do antigo Hospital Frei Rogério de Curitibanos, no dia 9 de fevereiro de 1953, com 47 anos. Ao escrever sobre esses fatos, imaginei como foi triste a sua vida. Creio que foram raros os momentos de felicidade. Ela vivia constantemente grávida. As crianças, quando nasciam, acrescentavam preocupações e estresses. Talvez, no final de sua vida, trouxe em suas lembranças, todo o sofrimento que seus pais passaram na Ucrânia. Depois, adicionou, todo o sofrimento que ela mesma suportou em Antonio Olinto, em Três Barras, na Colônia Tigre e em Marombas. Teve uma vida de tribulações, talvez, devido ao seu precoce casamento, ainda uma moça de dezessete anos. Certamente, foram muitas e cotidianas lembranças em sua mente, desde a morte da sua primeira filha, Rosa, no caldeirão de sabão. As demais mortes de seus outros bebês, até as corriqueiras implicâncias do seu marido, não deixaram sua vida ser alegre. As preocupações que os filhos e filhas proporcionaram a ela enquanto cresciam, também não ajudaram. Teve uma vida de sofrimentos, mas suportou até onde suas forças puderam. Sem vacilar.

A imagem de Emília Tulchak é a imagem da mulher do século passado. Dominada pelo sistema machista e patriarcal, onde o homem era o senhor absoluto do lar, onde esposa e filhos lhe deviam obediência acima de tudo. Depois, e por último, o respeito. Um sistema de opressão, de dor, de angústia, onde o homem tinha o papel de procriador e a mulher de criar e arcar com as consequências da educação e da criação dos filhos. A imagem de Emília Tulchak é uma lembrança de que homens maus precisam ser ignorados. É um alerta para os namoros e os compromissos assumidos precocemente e sem maturidade. É também, um alerta, para que as mulheres não dependam de homens para viver, nem financeira e nem emocionalmente. O resgate da memória de Emília Tulchak, depois, Emília Popinhak é importante, pelo menos, para mim, pois sou um dos seus muitos netos.



Referências para o texto:


BRASIL, Sistema de Informações do Arquivo Nacional - SIAN. On line: Disponível em: https://sian.an.gov.br/sianex/consulta/login.asp

FALECIMENTO de Emília Tulchak. “Brasil, Santa Catarina,

Registro Civil, 1850-1999,” images, FamilySearch, 2015. ISSN

imagens 278 e 279 de 303. Disponivel em: <https://familysearch.org/

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Imigrantes na Hospedaria em Pinheiro, 29 nov 1895. On line: Disponível em: http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_OB/0/EPE/HIP/0073/BR_RJANRIO_OB_0_EPE_HIP_0073_d0012de0013.pdf


Lista de Passageiros do Vapor Pará, 28 de nov. 1895. On line: Disponível em: http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_OL/0/RPV/PRJ/05515/BR_RJANRIO_OL_0_RPV_PRJ_05515_d0001de0001.pdf


POPINHAKI, Antonio Carlos. Popiwniak - Blumenau: 3 de Maio, 2015. 173 p.


POPINHAKI, Antonio Carlos. Gregório Popinhak. Blog Curitibanenses. On-line, disponível em: http://curitibanenses.blogspot.com/2013/05/gregorio-popinhak.html


POPINHAKI, Antonio Carlos. João Popinhaki. Curitibanenses. On line: Disponível em: http://curitibanenses.blogspot.com/2013/05/joao-popinhak.html

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