Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Ruy Affonso Seára nasceu na madrugada do dia 27 de março de 1927, na cidade de Itajaí/SC. Seus pais se chamavam Raul de Freitas Seára e Cecília Pereira Heusi (após casada, Cecília Heusi Seára). Na ocasião do nascimento, seu pai, Raul, tinha 25 anos e sua mãe, Cecília, tinha 20. Foi na cidade litorânea de Itajaí que Ruy cresceu. Quando menino, estudou no conceituado Colégio Salesiano daquela cidade.
Na transição da adolescência para a fase adulta, aprendeu a pilotar avião de pequeno porte. Era apaixonado pela aviação. Esse amor por voar perdurou por toda a sua vida. Como piloto, cruzava os ares do estado de Santa Catarina constantemente. Conhecia as cidades, os “campos de pouso”, os aeroportos e ainda, sabia onde podia ou não aterrissar. Não demorou muito, ainda na sua juventude, com pouco mais de 20 anos, adquiriu uma aeronave, à qual tinha por prefixo PP-PDS. Talvez, tenha sido ele o primeiro piloto a pousar um avião em solo curitibanense. Como todo jovem com o ímpeto de aventura, certa vez, segundo informações de antigos moradores de Curitibanos, antes mesmo da construção do antigo “Campo de Aviação”, na parte oeste da cidade, Ruy aterrissou o seu aeroplano nos campos nativos, próximo de onde seria construído o futuro aeroporto. Isso, provavelmente, se deu no ano de 1947 ou no início de 1948.
Nessa época, Ruy era morador da cidade de Itajaí. Fazia alguns fretes e viagens para terceiros. Não trabalhava para nenhuma empresa de serviços aéreos, existentes naquele tempo em Santa Catarina. No dia 24 de julho de 1948, num sábado, Ruy Seára, juntamente com um mecânico de nome José, filho de um comerciante do Mercado Público de Itajaí e um guarda do posto de saúde local, decolaram de um aeroporto próximo a Itajaí em direção à cidade serrana de Lages, no planalto catarinense. Deveriam voltar para a cidade portuária de Itajaí na segunda-feira, dia 26. Não o fizeram devido ao mau tempo reinante naquele dia. Após ter sobrevoado a cidade de Lages durante a tarde e final da tarde daquela segunda-feira, Ruy esperou anoitecer e, pelas 20 horas mais ou menos, levantou voo visando regular a aparelhagem de luz do avião. Naquele tempo, apesar de existir em Lages um Aeroclube, não havia um aeroporto que permitisse decolagens e pousos à noite, somente um antigo “campo de aviação”, como era chamado pelos moradores locais. Ruy sabia disso e dos possíveis riscos de um voo noturno naquele local, entretanto, deixou um automóvel com os faróis acesos na cabeceira da pista, para servir de guia para a aterrissagem. Deixou o automóvel, de maneira apropriada, no mesmo sentido que deveria aterrissar. Ruy convidou duas pessoas que estavam no local a acompanhá-lo no voo noturno. Ambos recusaram o convite, seguindo na aeronave apenas Ruy e um mecânico de nome Orosco, carioca, que havia feito estudos especializados nos Estados Unidos, durante 6 anos e que se encontrava trabalhando como mecânico de aeronaves no Aeroclube lageano.
Após decolar, sobrevoaram a área urbana da cidade de Lages por várias vezes, deixando a população alarmada. Julgaram tratar-se de um avião perdido no meio da escuridão da noite, à procura de um campo de pouso. Vários automóveis com inúmeras pessoas se dirigiram para o campo de aviação. Não fazia muito tempo, o piloto de um avião oriundo de Montevidéu, no Uruguai, não conseguindo encontrar o aeroporto de Porto Alegre, sobrevoou a capital gaúcha por uma hora, até que, graças aos moradores locais que iluminaram o local com faróis de carros, conseguiu aterrissar com segurança. Essas mesmas pessoas que se dirigiram para o campo de aviação de Lages, tiveram em mente esse fato ocorrido no Rio Grande do Sul, iluminar a pista para que o avião, modelo CESSNA, bi-motor, prefixo PP-PDS, de Ruy Affonso Seára aterrissasse com segurança.
Havia, em Lages, um operador de radioamador de prefixo PY5-SK, de nome João Carvalho, que juntamente com outro colega de nome Juca Dutra, de prefixo PY5-RG, tentaram se comunicar com a aeronave de Ruy, não conseguindo alcançar tal objetivo. Talvez, em razão de frequências incompatíveis ou não sintonizadas adequadamente. O que aconteceu em seguida, mostra que de fato, de boas intenções, o inferno está cheio. Muitos feixes de luz, em diversas direções, tentando iluminar o local de pouso, confundiram o piloto. Ele ficou desorientado e acabou aterrissando contrariamente ao farol do veículo previamente deixado para orientação. Acabou se chocando com a copa de um pinheiro que estava ao lado do campo de aviação. Um dos motores se incendiou rapidamente, mesmo assim, Ruy Seára conseguiu contornar ao redor do campo, chocando-se com outro pinheiro que existia no local oposto do primeiro. O segundo motor também pegou fogo. Dessa forma, com esses choques, os motores em chamas, o avião se precipitou no solo. Os presentes descreveram que Ruy ainda tentou aterrissar, porém, não tinha espaço ou pista suficiente, a não ser um terreno acidentado. O avião se arrastou pelos sulcos do terreno até bater numa casa de madeira, que também se incendiou.
Muitas pessoas correram para o local. Num gesto heróico, lembrado para sempre por Ruy, um homem de nome Jaime Gomes conseguiu retirar o piloto que estava sob o aparelho em chamas, e sob um dos motores que estava ardendo, fundindo metais pela excessiva temperatura. Esse homem, Jaime Gomes, queimou gravemente as suas duas mãos, salvando a vida do piloto. Do mecânico, não houve nenhuma notícia animadora. O fogo tomou conta de tudo rapidamente. Houve nova explosão, não sendo possível a ninguém fazer mais nada. Logo a enorme fogueira foi avistada de longe, até tudo virar um amontoado de ferros retorcidos e queimados, bem como a casa de madeira que virou cinzas. Naquela casa moravam seis pessoas, felizmente, nenhuma se feriu gravemente. Algumas notícias foram espalhadas em Lages de que uma criancinha, pertencente àquela família, estava desaparecida ou perecido, todavia, tal fato não foi confirmado. Quanto ao piloto Orosco, lamentavelmente, pereceu instantaneamente, carbonizado sob as ferragens e o intenso calor. O cadáver carbonizado foi transportado para Florianópolis e depois, para o Rio de Janeiro, onde a sua família residia. O Aeroclube de Lages prestou toda a assistência necessária, fazendo comparecer, para representar a presidência da instituição, nos atos fúnebres, o senhor Cândido de Oliveira Ramos, influente político lageano.
Ruy Affonso Seára foi conduzido imediatamente ao hospital de Lages, onde foi submetido tão logo foi possível, após a sua entrada naquele local, a uma delicada e minuciosa cirurgia. Ficou aos cuidados do médico local, Dr. João Costa Neto. O estado de saúde do piloto Ruy Seára era, inicialmente, desesperador, entretanto, conforme os dias foram passando, a esperança pela sua vida ficou evidente, inclusive, na mente dos profissionais do hospital. Enquanto estava internado em Lages, recebeu um telegrama dos vereadores de Itajaí, desejando-lhe pronto restabelecimento.
A população de Itajaí recebeu desde Lages, pelos operadores de radioamador, os senhores João Carvalho e José Dutra, diariamente, as informações sobre a saúde do piloto. Sem encontrar recursos necessários na medicina lageana, Ruy foi transferido para a cidade de São Paulo, por conta do então governador paulista, Adhemar de Barros, sendo atendido no Hospital das Clínicas. Contudo, mesmo estando, num dos melhores hospitais do país, não puderam realizar uma cirurgia adequada, sendo necessária a amputação das pernas. Ruy ficou 30 dias em coma e mais de um ano internado no hospital. Alguém solicitou a ajuda do então presidente da República, o senhor Getúlio Dornelles Vargas, que mandou um avião da Força Aérea Brasileira — FAB buscar o paciente em São Paulo e levá-lo ao Rio de Janeiro para a adaptação de duas próteses nas pernas.
Ruy precisou permanecer no Rio de Janeiro por algum tempo, para a adaptação com as duas próteses. Ele, literalmente, teve que aprender a caminhar novamente. Foi uma época muito difícil e delicada. Ruy era um homem forte e conseguiu superar os obstáculos com bravura. Foi nesse tempo que conheceu a sua futura esposa, a jovem Lina Pinto de Carvalho, natural de Minas Gerais, filha de Domingos de Carvalho e Dolores Pinto, com quem se casou naquela mesma cidade do Rio de Janeiro. Do casamento, nasceram cinco filhos, aos quais receberam os nomes de Carlos Carvalho Seára, Elaine Carvalho Seára, Raul Seára Neto, Cecília Maria Seára e Leila Carvalho Seára.
Os anos passaram rapidamente. A luta desesperada de Ruy para recuperar a sua forma física era constante. Após pesquisar arduamente, mandou correspondências para várias partes do mundo, numa tentativa de poder andar novamente com suas próprias pernas. Dezenas de países, consulados e instituições de saúde não lhe deram esperanças. Entretanto, em 1964, encontramos a notícia de que a Rússia, que fazia parte da União das República Socialistas Soviéticas — U.R.S.S., prometeu-lhe, por meio de uma carta do Ministério da Saúde daquele país, dar-lhe novas pernas. A cirurgia, segundo o documento russo, consistia em enxertar duas pernas de um cadáver no corpo de Ruy. Por muito tempo, o desespero se alojou no coração do jovem piloto itajaiense, deixando traços irreversíveis em seu rosto. Com o tempo, por ser um homem forte de espírito, venceu as amarguras e com o auxílio de aparelhos ortopédicos, voltou a circular pelas ruas, lentamente, mostrando transparecer a todos, sua luta íntima, principalmente, cada vez que se ouvia um ruído de avião.
O desejo de voar, prazer que o destino lhe tirou, era algo difícil de superar. Ruy ouvia nos noticiários do mundo inteiro, onde costumavam trazer frequentemente, notícias acerca de adiantados métodos de curas, que às vezes, revolucionavam a opinião pública, pelos poderes sobrenaturais do dia-a-dia, aliados à ciência médica. Na ânsia de encontrar uma cura para o seu caso, Ruy Seára iniciou uma série de correspondências com todos os países membros da Organização das Nações Unidas — ONU, sem que lhe fosse dada uma resposta animadora, Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha e França não lhe deram esperanças. A resposta veio da União Soviética. Em 1964, já um funcionário do Instituto Nacional do Pinho — INP, não encontrou dificuldades em obter a permissão para embarcar para a Rússia, a fim de curar-se, ou antes, buscar o que perdeu. Mas as condições financeiras, exigiam muito. Enquanto estivesse fora, a sua família deveria ficar em Itajaí, aguardando a sua volta, que pelo visto não seria breve. Por sugestão do então Presidente do Instituto Nacional do Pinho — INP, na época, o senhor Hermínio Tissiani, o Partido Trabalhista Brasileiro — PTB de Itajaí, enviou um ofício ao então presidente da República, o senhor João Goulart, solicitando a designação de Ruy Affonso Seára para Adido da Embaixada do Brasil em Moscou. Isso, se atendido, daria condições para que Ruy mantivesse a sua família no Brasil e a sua permanência na União Soviética. Contudo, tal correspondência foi em fevereiro de 1964, numa época de turbulência política para João Goulart, que foi deposto no final de março.
Ruy e sua família chegaram em Curitibanos no dia 27 de janeiro de 1965. Ele foi nomeado para ser o Inspetor do Instituto Nacional do Pinho, que foi mais tarde, em 1967, incorporado ao Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal — IBDF. Trabalhou neste órgão até se aposentar, mesmo quando mudou de nomenclatura novamente, até se tornar o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis — IBAMA. Foi na época em que o Inspetor Ruy esteve em Curitibanos, que houve, na região, o fomento ao plantio de pinus, por parte dos madeireiros desmatadores das grandes florestas de araucaria angustifolia.
Ruy, juntamente com sua equipe, cuidaram individualmente de todas as contas de extrativismo de cada serraria da região. Tudo era anotado em fichas individuais, com as metragens cúbicas de madeiras serradas mensalmente. Um valoroso e cuidadoso trabalho que exigia muita atenção.
Em Curitibanos, fez muitas amizades com todos. Foi um dos sócios do antigo clube sete de setembro. Na Sessão de 7 de agosto de 1971, os vereadores de Curitibanos concederam a Ruy Affonso Seára, o título de Cidadão Curitibanense. A notícia repercutiu positivamente na imprensa de Itajaí, a sua terra natal. O presidente da Câmara de Vereadores de Curitibanos, na ocasião, era o senhor Guerino Agostini. No documento diz que “a concessão foi em razão dos relevantes serviços prestados pelo homenageado em favor do povo curitibanense”.
Ruy também foi candidato a vereador em Curitibanos. No dia 15 de novembro do ano de 1972, houve eleições amplas no Brasil. Ruy Seára foi um dos candidatos à Câmara de Vereadores pela Aliança Renovadora Nacional — ARENA, com o n.º 2210. Após a apuração dos votos, foi constatado que o Inspetor do IBDF local ficou como suplente, não alcançando a quantidade mínima de votos para eleger-se. Todavia, era grande a amizade que Ruy conseguiu granjear na cidade. Era sempre convidado para solenidades e jantares. Nos finais de ano, recebia dos madeireiros e amigos várias cestas de natal, como forma de renovação dos laços de amizade. Mesmo com limitações pela ausência das pernas, foi um dos incentivadores da criação de um Aeroclube em Curitibanos.
Na sede do antigo IBDF, hoje o terreno que abriga o Jardim Botânico de Curitibanos, Ruy Seára, além das mudas de pinus, plantou árvores de várias espécies. Frutíferas que carregavam os galhos no verão, como pessegueiros e ameixeiras. Ele era, sem dúvida, um amante da natureza, quando a ocasião exigia, era rigoroso na fiscalização de corte desenfreado de matas nativas, notificando o infrator do erro. Ainda nos anos da década de 1990, Ruy aposentou-se e se mudou para Florianópolis. Faleceu no dia 14 de fevereiro de 2000 num leito de hospital daquela capital. A causa da sua morte foi “enfisema pulmonar”. Seu corpo foi sepultado no Cemitério Municipal São Francisco de Assis, no bairro de Itacorubi, em Florianópolis. Deixou saudades entre os curitibanenses que o conheceram e conviveram com o piloto itajaiense.
Referências para a produção do Texto:
Ademar de Barros. Portal Wikipedia. On-line, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ademar_de_Barros
Cândido de Oliveira Ramos. Portal Wikipedia. On-line, disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%A2ndido_de_Oliveira_Ramos
Com informações de Aldair Goetten de Moraes.
Com informações de Leila Seára Spielmann.
Curitibanos — Resolução n.º 5/1971.
Fotografia: Museu Histórico Antonio Granemann de Souza de Curitibanos.
Informações do FamilySearch. On-line, disponível em: https://www.familysearch.org/tree/person/about/GKB2-HX2
LUIZ, Afonso. Ruy Seára poderá ser adido à embaixada brasileira na Rússia. Jornal “A Nação”, página de Itajaí. Blumenau, 5 de fevereiro de 1964. Ed. 485, p. 6-7.
Registro do Nascimento. Livro de Registro de Nascimentos de 1927, folha n.º 135 e 135v. Cartório de Registro Civil de Itajaí/SC.
Trágico desastre de aviação. Jornal “Itajaí”. Semanário independente e noticioso. Itajaí, Santa Catarina, 31 de julho de 1948. Ano II, n.º 51. P. 1.
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