Texto de Antonio Carlos Popinhaki
Antonio Antunes, filho de Andalicio Antunes e Ana Maria Marafigo, nasceu em 22 de agosto de 1934, na localidade de Floresta do Timbó, interior do atual município de Timbó Grande, Santa Catarina, foi um dos últimos tropeiros da região do Contestado. Seu pai também era um tropeiro, dessa forma, aprendeu desde cedo as lides da árdua profissão. A família era originária de São Joaquim, mudaram para a região de Timbó Grande, quando o local ainda pertencia ao território de Curitibanos. Ao se estabelecer na região, em busca de terras baratas, a família de Andalicio, inicialmente, sobreviveu do cultivo da terra e da caça para a própria subsistência. A região era despovoada e considerada sertão, havia grande variedade de animais selvagens, que ao serem abatidos, forneciam a proteína necessária para enfrentarem as intempéries da vida interiorana rural. Na época, estava em curso o movimento do Contestado, ou a chamada “Guerra Santa de São Sebastião”. Sua família tinha certa afinidade com a causa da Irmandade Cabocla, entretanto, não se tem notícias do envolvimento direto de Andalicio Antunes nos redutos. Após o término do conflito, a região de Timbó Grande teve algum prestígio, visto que a ferrovia que foi construída, e passou pelo local, interligou, através de um novo ramal, os estados do Paraná com o Rio Grande do Sul, atravessando Santa Catarina de Norte a Sul.
Mesmo no interior, em alguns lugares ermos, na região do Contestado, alguns fazendeiros tinham o costume de contratar professores para ensinar os filhos dos empregados e, em alguns casos, sua própria prole a ler e escrever. O índice de analfabetismo, na época, era altíssimo. Antonio Antunes contava, que ele mesmo frequentou uma dessas escolas por apenas dois meses. A atividade escolar ficou inviável, devido ao local ermo e às dificuldades de locomoção por meio dos caminhos rodeados de matos. Era muito perigoso para as crianças se aventurarem diariamente até a casa do fazendeiro, para assistirem às aulas e depois, retornarem, igualmente sozinhas, até as suas residências. Mesmo assim, Antonio aprendeu a ler, escrever e a fazer contas.
Em 1954, casou-se com a jovem Carlinda Veiga, filha de Olimpio Veiga e Marinha Simão. Carlinda passou a assinar como Carlinda Veiga Antunes. O casamento foi na localidade de Timbó Grande. A região ainda pertencia ao território de Curitibanos. Somente em 1958, Santa Cecília foi desmembrada e o território de Timbó Grande anexado ao novo município. Do casamento, nasceram 16 filhos. O casal ainda criou um neto como se fosse mais um da numerosa família. A família de Carlinda teve participação ativa no movimento do reduto de Santa Maria. Olimpio Veiga, quando tinha 6 anos presenciou a morte dos pais ao tentar uma fuga de uma batalha entre os vaqueanos e forças militares, próximo ao reduto da Irmandade Cabocla. Antonio contava aos familiares muitas histórias de violência, fome e da terrível doença chamada tifo, que dizimou a vida de inúmeros fanáticos da região.
Antonio Antunes era um exímio trabalhador rural, dotado de uma invejável determinação, além das suas habilidades como tropeiro, homem do campo, agricultor familiar (cultivava milho, feijão, aipim, batata-doce), ainda tinha experiências com o manejo dos reflorestamentos de pinus. Essas práticas de reposição florestal começaram na região, nos anos da década de 1960. Antonio era requisitado para trabalhar com podas, controle de pragas, roçadas, secagem de banhados e no feitio e manutenção de cercas de divisas de algumas propriedades das grandes empresas do setor madeireiro e de celulose do planalto catarinense.
Apesar de ser um homem dotado de um caráter e personalidade bem definidos, baseado sempre na lógica, também exercia a sua dosagem de fé. Praticava invariavelmente o que aprendera há décadas sobre o poder da oração e dos chamados benzimentos. Quem o conheceu, atesta que Antonio Antunes tinha o dom de curar animais doentes com “rezas fortes”. Para tal ritual, tinha as palavras certas, esquecidas com o passar dos anos pelos seus descendentes. Não foram poucas as pessoas que se sentiram compensadas pelas orações de Antonio. Em troca, o presenteavam com leite, lenha, queijos e ovos. Quando alguém se propunha a pagar com dinheiro, ele recusava prontamente, dizia que “a moeda e o milagre não andavam juntas”. Dessa forma, a sua fama cresceu entre os moradores da região, ficou conhecido, sendo admirado por muitos.
Como tropeiro, conduziu tropas desde as imediações de Timbó Grande/Santa Cecília até o Paraná ou litoral. Esse era mesmo um serviço para poucos homens, pois exigia, além da destreza com a condução dos animais, força física e psicológica para enfrentar as intempéries do tempo, que, às vezes, apresentava aos tropeiros e à comitiva, um sol escaldante ou uma torrencial chuva gelada.
Após casado e com uma família numerosa, certo dia foi surpreendido com a notícia de que seu pai Andalicio vendera a propriedade rural para a empresa Papel e Celulose Catarinense S.A. — PCC, atual empresa Klabin. A fábrica de papel estava numa fase de aquisição de terras na região e, de forma sigilosa ou secreta, compraram a propriedade rural e familiar dos Antunes. A empresa deu 30 dias de prazo para desocuparem o local. Findo esse prazo, as máquinas da empresa foram devastando tudo o que encontravam pela frente, inclusive as edificações que antes serviram de moradia e de lar para as famílias de Andalicio e do filho Antonio.
Dessa forma, Antonio, polivalente, resiliente, determinado, começou a trabalhar para terceiros. Trabalhou para o Exército Brasileiro, para madeireiras e fazendeiros. Certa vez, quando um batalhão do exército construiu a rodovia BR-116, montou acampamento na região que fica próximo ao lago ou represa do Ubatã, em Santa Cecília. Antonio foi contratado para trabalhar como vigia de um antigo casarão no local. Outros vigias que o antecederam na função, tinham medo do lugar, principalmente à noite, diziam ser mal-assombrado, pois escutavam passos, conversas de pessoas no sótão do casarão, e quando iam ver, não encontravam ninguém. Por essa razão, consideravam o local assombrado por forças sobrenaturais. Não havia vigia que aguentasse o trabalho naquele lugar. Então, Antonio foi contratado para esse serviço. Na primeira noite, segundo Antonio, houve esse tipo de barulho. Ficou assustado, todavia, como era um homem centrado na lógica, ficou interessado em desvendar tal mistério. Na segunda noite, acendeu o lampião e resolveu subir no sótão. Descobriu que o barulho era provocado por ratos que residiam no local. Os barulhos estranhos eram decorrentes de haver num dos cantos daquele sótão, um enxame de abelhas, os ratos atacavam os favos e, em contrapartida, as abelhas os atacavam com seus ferrões. Os ratos gritavam e pulavam, provocando o assustador barulho que espantou vários vigias do local, antes de Antonio. Dessa forma, foi descoberta a tal assombração do antigo casarão. De acordo com o seu neto Manoel Tiago Antunes:
Não acreditava em assombração, era cético e tinha gosto por apontar uma explicação lógica para tudo e desmentir charlatões, mas a forma que lidava com coisas assim, deixava mais interessante ainda, e rendia, igualmente, espanto a sua perspicácia, com ele o natural virava extraordinário e o que o assustava era a injustiça e a miséria que o mundo produzia nos caboclos.
Antonio Antunes e sua família mudaram para a localidade de Ponte Alta do Norte (região que pertencia ao território de Curitibanos), onde viveram por longos anos. Viveu com a sua família, na maior parte da sua vida, no bairro Loteamento Pereira, sendo um dos pioneiros daquele local. Tornou-se com o passar dos anos, uma liderança do bairro. Era um homem praticante da fé católica, cedia de tempos em tempos, a sua casa para celebrações religiosas e orações da novena.
Na indústria madeireira, foi operário, onde se aposentou por invalidez, após sofrer um acidente de trabalho. Apesar de ser muito conhecido no local, nunca exerceu nenhum cargo público.
De acordo com o seu neto Manoel Tiago Antunes:
Era reconhecido de forma extraoficial e verbalmente pela pessoa bem humorada e honesta, respeitada pela índole, pelos benzimentos e ações que salvaram vidas de outras pessoas, pois por mais de uma vez socorreu pessoas engasgadas (uma criança que as professoras não conseguiam fazer voltar, coincidentemente virou sua nora, atual esposa de Manoel Tiago Antunes), desmaiadas em via públicas e encontradas lesionadas em local ermo.
Tinha suas manias. Gostava de dormir com alguma luz. Dessa forma, segundo os familiares, na madrugada do dia 13 de junho de 2022, sob uma lua cheia, que clareava abundantemente, deixou essa vida. Sua ausência foi sentida por muitos que o conheceram, quer fossem parentes, amigos, ou pessoas com que teve alguma interação. Antonio Antunes era humilde, alegre, combatia a tristeza com uma variedade incontável de histórias que mantinha em seu repertório. Histórias da época do Contestado, dos seus serviços de agricultor familiar, de empregado em fazendas e no exército. Histórias dos tempos em que ele esbanjava vigor, quando a sua foice cortava com força e limpava os terrenos, para a condução dos reflorestamentos. Histórias dos tempos de caçadas de veados, pacas e da sua criação de gado e de porcos. Histórias das suas tropeadas e das viagens intermináveis. Na noite do seu falecimento, a geada estava espessa e forte na região de Ponte Alta do Norte, local da sua última noite em vida. Antonio Antunes, o “Seu Antunes”, foi sepultado no cemitério municipal de Ponte Alta do Norte.
A vida foi dura e judiou muito do seu corpo com fraturas, picadas de cobras, escorpiões, acidentes, rigor das intempéries e enfermidades severas que venceu praticamente todas, teve cicatrizes profundas também na alma como a perda de esposa, filhos, netos e amigos do peito, sem mencionar as dificuldades da pobreza para um homem que vivia só da honestidade dos braços e alimentou 14 filhos no século XX.
E essa foi a história de vida desse grande guerreiro. Homem de valor, raros em nossos dias. Viveu grande e morreu na mesma estatura, deixando um legado de grande valor aos seus descendentes.
Referências para o texto:
ANTUNES, Manoel Tiago. O último dos tropeiros. Página pessoal do Facebook. On-line, disponível em: https://www.facebook.com/manoeltiago.antunes
Fotografia incluída na postagem: Acervo da família.
Funerária Menino Jesus. Nota de falecimento.Página pessoal do Facebook. On-line, disponível em: https://www.facebook.com/101542795523814/photos/a.105249178486509/311803187831106
Informações de Manoel Tiago Antunes.
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