quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Alfredo Alves Collet

Texto de Antonio Carlos Popinhaki


A figura de Alfredo Alves Colett emerge das páginas da história do Contestado não como um herói convencional, nem como um vilão caricato, mas como um espelho complexo e multifacetado do sertanejo catarinense em um período de profunda convulsão. Sua biografia, tecida entre a ambição pessoal e os ventos de uma guerra civil, narra uma trajetória de ascensão social forjada no pragmatismo, na coragem e numa relação ambivalente com o poder constituído. Homem do seu tempo e do seu lugar, Colett personifica as contradições de uma fronteira em disputa, onde lealdades eram negociáveis, a violência era uma linguagem comum e o sonho de prosperidade coexistia com a sombra da morte.

Nascido em 1885, no interior do estado de Santa Catarina, filho de Luiz Collet e Maria Lucia Alves Collet, Alfredo Colett começou sua vida na lida dura com o gado. Suas origens eram humildes, marcadas pelo esforço físico e pela intimidade com os rigores da vida rural. O analfabetismo, uma barreira comum na época, não apagou nele uma visão aguçada para as oportunidades. O ponto de virada em sua sorte material deu-se através de uma aliança estratégica tão antiga quanto o mundo: o casamento. Ao unir-se à sua patroa, Anna Granemann, viúva do fazendeiro Nicolau Rauen, Colett realizou o salto social que o trabalho braçal sozinho dificilmente permitiria. De peão amansador, transformou-se em proprietário, dono de cerca de setecentas cabeças de gado. Esse patrimônio não representava apenas riqueza; era a chave para um novo status, o ingresso na camada dos senhores de terra, por mais que sua rusticidade e falta de letras o marcassem como um novus homo do sertão.

Foi esse patrimônio a defender e essa posição a consolidar que levaram Colett a se envolver diretamente no turbilhão da Guerra do Contestado. O conflito, que opunha fanáticos messiânicos, posseiros desalojados e o poder central, representava uma ameaça direta à ordem agrária e à segurança dos fazendeiros. Colett não era um idealista religioso; seu motor era a defesa concreta de seus interesses. Por isso, tornou-se um aliado tático das forças legais, o 58.º Batalhão de Caçadores. Sua contribuição foi prática e valiosa: forneceu animais cargueiros, conhecia como poucos os caminhos e as veredas da região e mobilizou sua rede de contatos. Participou ativamente da defesa do povoado de Corisco (Santa Cecilia do Rio Correntes), episódio que trouxe a guerra para dentro de sua própria família. Seu irmão, Felipe, sofreu um grave ferimento na cabeça durante o combate ao ataque da pequena localidade de Corisco, um sangrento lembrete de que o conflito tinha um custo íntimo e carnal.

No entanto, a cooperação de Alfredo Colett com o Exército nunca foi incondicional ou desinteressada. Ele encarava a relação com o Estado como uma negociação. Organizou amigos em piquetes civis, grupos irregulares que auxiliavam na vigilância de passagens estratégicas como as do Rio Canoas, mas recusou-se a ter seu nome na lista oficial de pagamento. Os míseros 4$ ou 5$ (quatro ou cinco réis) diários oferecidos eram, em suas vistas, “ninharias” indignas de um homem do seu mérito e posses. “Mais tarde terei melhores recompensas”, dizia, confiante em seu valor futuro. Essa expectativa materializou-se em um audacioso pedido: solicitou a um oficial que redigisse um telegrama ao governo do estado, pleiteando uma compensação financeira por seus serviços. A resposta, um único conto de réis, foi uma decepção amarga. O episódio revela a frágil ponte entre o centro de poder e a periferia: Colett esperava um reconhecimento à altura de sua autoimagem, enquanto o governo via nele mais um auxiliar local a ser remunerado de forma simbólica e contida.

Para além do cálculo material, Alfredo Colett cultivava com esmero sua persona pública, essencial para a autoridade no mundo sertanejo. Ele era uma presença marcante nas vendas de algumas localidades, onde seu “acordeão” (que ele corrigia não ser uma sanfona) entoava sons descompassados para acompanhar versos sertanejos. Suas cantigas ecoavam, misturando melancolia e bravata. A política, para ele, passava por esse convívio. Tinha também “pretensões de chefiar a política de Curitibanos”, um projeto ambicioso para um analfabeto, que demonstra como o poder local era exercido mais pela influência pessoal, pela rede de favores e pela presença carismática do que por diplomas ou discursos formais.

A psicologia de Colett era, portanto, um mosaico de ambivalências. Era ambicioso, mas limitado; valente na defesa do que era seu, mas ávido por reconhecimento externo; descontente com a mesquinhez do poder central, mas capaz de mascarar suas mágoas atrás de uma cantoria e de um riso expansivo. Sua história não é linear. Ela oscila entre o papel de chefe de milícia improvisado, o fazendeiro prudente, o negociante desiludido e o animador de roda. Ele não lutou por uma causa transcendente, mas pela manutenção e ampliação do seu mundo material e social.

Após a Guerra do Contestado ele montou um negócio, um Armarinho onde vendia, fazendas, seccos e molhados. O nome do estabelecimento se chamava “Alfredo Collet & Rauen”. Esse segundo sobrenome era proveniente do primeiro marido de Anna Granemann.

O legado biográfico de Alfredo Alves Colett ultrapassa a mera curiosidade histórica. Ele nos serve como uma lente poderosa para entender as dinâmicas íntimas de um conflito colossal como a Guerra do Contestado. Sua trajetória ilumina temas cruciais: a mobilidade social por alianças em uma sociedade estratificada; o analfabetismo como barreira e desafio à ambição política; a interface entre o local e o nacional, onde a cooperação era uma dança de interesses e desconfianças mútuas; e, por fim, a resistência cultural de um homem que, mesmo ao se aliar ao Estado, mantinha-se profundamente enraizado nos códigos, nas melodias e nas relações de poder do seu sertão. Alfredo Alves Colett foi, acima de tudo, um sobrevivente e um estrategista do possível. Sua vida nos conta que, nas guerras da história, entre os grandes movimentos de tropas e os discursos oficiais, agiam homens concretos, com nomes, gado a proteger, irmãos a cuidar e um acordeão desafinado para afugentar o pesar de viver suspirando. Faleceu em 13 de julho de 1948, em Santa Cecília, Santa Catarina.



Referências para o texto:


Portal FamilySearch. On-line, disponível em: https://www.familysearch.org/pt/tree/person/details/GTCD-9MR


Almanak Laemmert – 1918, parte III. 


D'ASSUMPÇÃO, Herculano Teixeira. A campanha do contestado: as operações da columna do sul. Bello Horizonte: Imprensa Official, 1917.


MACHADO, Paulo Pinheiro. Lideranças do Contestado: a formação e a atuação das chefias caboclas (1912-1916) / Paulo Pinheiro Machado. – Campinas, SP: Editora da UNICAMP, 2004.

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