sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Julieta Pereira da Silva


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Julieta Pereira da Silva nasceu em 12 de julho de 1912, na vila de Canoinhas, Santa Catarina, filha de Paulino Pereira da Silva e Emília Maria da Silva. Seu pai, um homem de trajetória marcante, esteve envolvido com os conflitos da Guerra do Contestado e foi proprietário de uma fábrica de refrigerantes em Curitibanos, cidade para onde a família se mudou. Em 26 de novembro de 1932, Julieta casou-se com Orlando Ganz, passando a assinar como Julieta Pereira Ganz. O casal teve quatro filhos: Ademar, Osmar, Sidney e Percy, que, tragicamente, a precederam na morte.

A história familiar de Julieta está profundamente ligada aos conflitos e tensões que marcaram a região no início do século XX. Seu pai, Paulino Pereira da Silva, era uma figura conhecida e empreendedora na vila de Curitibanos, onde possuía uma rústica fábrica de refrigerantes, as famosas “gasosas”. Um incidente com a fiscalização, no entanto, alterou seu destino. Após ter seu estoque de selos oficiais esgotado pela Superintendência, uma espécie de lacres para as garrafas, Paulino, impossibilitado de parar sua produção, decidiu comercializar suas gasosas sem a certificação exigida. Este ato de desafio levou o Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque, então superintendente, a mandar lacrar sua fábrica. Esse evento, relatado por cronistas locais, gerou um profundo ressentimento e fez de Paulino um novo desafeto do poder estabelecido. Inserido nesse contexto de injustiça e conflito, ele acabou por aderir à causa dos caboclos e se juntou à seita fanática do Taquaruçu (irmandade cabocla), tornando-se parte do movimento social e messiânico conhecido como a Guerra do Contestado. Essa ligação familiar com um dos episódios mais traumáticos da história regional fornece um pano de fundo crucial para entender a origem e o ambiente em que Julieta Pereira da Silva cresceu.

Antes dos 50 anos, Julieta se considerava uma pessoa profundamente religiosa, criada na fé católica. Sua vida tomou um novo rumo em 1961, com a chegada a Curitibanos de missionários de “A Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias”, seita conhecida mundialmente como “mormonismo”. Batizada em 18 de junho daquele ano pelo Élder Robert D. Lamoreaux, ela se tornou a primeira conversa mórmon da cidade. Quando o Ramo local foi fechado em abril de 1962, justificado pelo baixo nível de adesão pela população de Curitibanos ao mormonismo, sua tristeza foi imensa, mas sua fé persistiu. Durante os 14 anos seguintes, sem uma congregação ativa em sua cidade, ela se deslocava esporadicamente para participar das reuniões em Lages, cidade vizinha, mantendo viva a chama de sua crença.

Com a reabertura do Ramo em Curitibanos, em fevereiro de 1976, Julieta emergiu como sua coluna vertebral e pioneira inquestionável. Sua dedicação era ativa e generosa: cedeu o quintal de sua própria casa para a construção da pia batismal em 1979, recebeu as primeiras reuniões quando o grupo era minúsculo e usou seu trabalho como revendedora da Avon para evangelizar, levando os missionários em suas visitas às clientes. Seu testemunho pessoal foi instrumental para o crescimento da comunidade Mórmon em Curitibanos; calcula-se que, por seu intermédio, 36 pessoas tenham se batizado. Ela acompanhou com júbilo cada marco: a compra do terreno para a capela em 1984, o início das obras em 1985 e, especialmente, a realização de seu grande sonho espiritual, a visita ao Templo de São Paulo, em novembro de 1985.

Por trás dessa história pública de devoção, Julieta era uma pessoa de temperamento forte, considerada autoritária e enérgica, especialmente em seus anos mais avançados. Sua independência era tanta que recusava ajuda nas tarefas domésticas, mesmo de mulheres pertencentes à sua fé, um fator que, no fim da vida, contribuiu para sua internação no Asilo Frei Rogério. Em sua esfera pessoal, mantinha uma rivalidade prosaica, porém constante, com a cunhada Isaura de Arruda, disputando a venda de produtos de beleza na mesma cidade. Carregava também o peso de ser a última de sua geração, sobrevivendo a todos os filhos, e nutria uma sensação de que sua longevidade tinha um propósito divino ainda não revelado. Ela, quando tinha a oportunidade de falar na Igreja, deixava bem claro essa ideia.

O final de sua jornada, contudo, foi de uma solidão pungente. Julieta Pereira Ganz faleceu em 20 de janeiro de 2005, aos 92 anos, no asilo de Curitibanos. Apesar de ter sido velada com honras na capela que ajudou a construir, vestida com as roupas brancas do templo Mórmon e homenageada com hinos, seus últimos anos foram marcados pelo abandono. Relatos de um ex-líder local descrevem uma velhice de desnutrição e esquecimento, onde mesmo as “irmãs” de sua congregação evitavam visitá-la. Em sua demência, as memórias do mormonismo haviam se esvaído, restando apenas as cantigas católicas da infância. Esta contradição entre uma vida de serviço pioneiro e um fim em desamparo levanta questões profundas sobre o dever de cuidado nas comunidades de fé.

Assim, a biografia de Julieta Pereira Ganz é um legado duplo: o registro indelével de uma mulher cuja força e fé foram alicerces para o estabelecimento de uma igreja em sua região, e, ao mesmo tempo, um relato comovente e crítico sobre a vulnerabilidade na velhice, servindo como um memorial tanto de fundação quanto de reflexão.



Referências para o texto:


Dinarte Pereira Brasil. Blog curitibanenses. On-line, disponível em: https://curitibanenses.blogspot.com/2021/11/dinarte-pereira-brasil.html


Escritos Históricos Antigos. Blog sobre o mormonismo. On-line, disponível em: https://sobreomormonismo.blogspot.com/2011/09/escritos-historicos-antigos.html


Fotografia: Acervo do Museu Histórico Antonio Granemann de Souza de Curitibanos.


Francisco Ferreira de Albuquerque. Blog curitibanenses. On-line, disponível em: https://curitibanenses.blogspot.com/2018/03/francisco-ferreira-de-albuquerque.html


Paulino Pereira da Silva, Blog curitibanenses. On-line, disponível em: https://curitibanenses.blogspot.com/2022/04/paulino-pereira-da-silva.html


Portal FamilySearch. On-line, disponível em: https://www.familysearch.org/pt/tree/person/print-view/KW22-DT8

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