quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Dinarte Pereira Brasil


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


A história de Dinarte Pereira Brasil é no mínimo estranha para os nossos tempos, entretanto, não foi para o “seu” tempo de vida. Precisamos entender que esse homem teve a sua passagem terrena envolta em conflitos sociais de toda natureza. Desde o seu nascimento, em meio à chamadaGuerra Santa de São Sebastião, até o final de sua vida, sob perseguições no regime militar. Seu pai, Paulino Pereira da Silva, nascido no Rio Grande do Sul, se estabeleceu em Curitibanos no final do século XIX. Ele foi o fundador e proprietário da primeira indústria de refrigerantes existente no município. Paulino Pereira produzia regularmente as suas garrafas de gasosas (como eram chamados os refrigerantes de outrora), sem nenhum empecilho ou problema comercial, ou fiscal, até que em 1913, para comercializar as suas garrafas, foi exigido por força da lei, um selo, fornecido pela superintendência. Nesse ano, numa de suas idas até a sede da administração municipal, Paulino recebeu a notícia de que acabara o estoque de selos. A administração da superintendência precisava mandar confeccionar mais selos para as garrafas de gasosas. Isso demoraria algum tempo. Paulino procurou o setor responsável no predio da superintendência que fornecia o tal selo, para pedir orientação, pois não podia parar a sua produção.

— Não tem mais selos no estoque. O senhor deve aguardar a chegada de uma nova remessa. — Falou-lhe o funcionário público.

— Posso comercializar as gasosas sem o selo enquanto vocês não receberem mais? — Perguntou, Paulino.

— Não pode! O senhor terá que estocar as garrafas de gasosa. Se não tiver lugar para guardá-las, deverá parar a sua produção, até que os novos selos cheguem.

Paulino Pereira da Silva não podia esperar até que os selos chegassem na sede da superintendência. Começou a comercializar os refrigerantes sem os aludidos selos de fiscalização, irritando o coronel Albuquerque, que era o superintendente de Curitibanos.

Albuquerque mandou lacrar a fábrica de gasosas de Paulino Pereira da Silva, para que ele não produzisse mais. Criou-se, com essa decisão, uma inimizade entre os dois. Daquele dia em diante, Paulino, ao se sentir prejudicado em seus negócios, aderiu à causa cabocla e se juntou à seita de fanáticos aglomerada no Taquaruçu. Nessa época, Dinarte tinha 2 anos. Ele nasceu em Curitibanos, no dia 27 de janeiro de 1911. A sua mãe se chamava Emilia Maria da Silva, entretanto, o seu sobrenome foi registrado como “Brasil”, não tendo nenhum dos dois genitores com esse sobrenome, conforme pode ser comprovado no registro de casamento de Paulino Pereira da Silva e Emilia Maria da Silva, ocorrido em 4 de outubro de 1899, em Curitibanos.

Paulino e os seus familiares, após o incidente com a fábrica de refrigerantes, buscaram refúgio com alguns parentes que moravam em Canoinhas. Ele era Capitão da Guarda Nacional, patente que obteve no ano de 1906. Abdicou dessa patente e assumiu a liderança de um dos redutos da Irmandade de São Sebastião, no conflito da região do Contestado. Tornou-se homem de confiança dos líderes da irmandade cabocla.

Em 26 de setembro de 1914, sob o comando de Agustin Perez Saraiva, conhecido como Castelhano e duas centenas de homens, atacaram e incendiaram vários imóveis em Curitibanos. Entre esses homens estava Paulino Pereira da Silva, o desafeto do Coronel Francisco Ferreira de Albuquerque, o superintendente que acabou com o seu negócio de refrigerantes no ano anterior.

Aparentemente, a família de Paulino continuou a morar em Canoinhas, local considerado mais seguro. Naquela vila, que pertenceu ao território de Curitibanos, Dinarte cresceu até alguns anos sob os cuidados da mãe e dos parentes. Com 8 anos, encontramos uma nota no periódico “Escolar” daquela cidade, onde Dinarte declamou uma poesia intitulada “Ao Brasil”, numa Sessão Cívica, realizada no “Clube Americano”. 

Anos depois, quando a situação ficou tensa, pois o pai foi levado a julgamento federal por causa do envolvimento com os líderes fanáticos, o menino Dinarte fugiu de sua casa, com destino a Florianópolis, de modo a conhecer novos lugares distantes. Para sua sorte, foi encontrado por seu padrinho, o Dr. Américo da Silveira Nunes, que foi Juiz de Direito da Comarca de Curitibanos, desde 6 de outubro de 1901, até o tempo do conflito social na região.

O Dr. Américo achou uma maneira de comunicar aos pais que o menino estava sob seus cuidados na capital do estado. Recebeu como resposta do pai, Paulino Pereira e da mãe, que o mesmo poderia internar Dinarte numa instituição ligada à Marinha brasileira, para estudar e ter melhores condições num futuro próximo, diferentemente daquela vivida por eles.

No dia 24 de janeiro de 1924, conforme nota no Jornal “República” de Florianópolis, na página 2, nas notas policiais, há a informação de que Dinarte Pereira Brasil e mais quatro menores foram admitidos na Escola de Aprendizes Marinheiros. 

Ao adentrar numa instituição militar, Dinarte Pereira Brasil mostrou precocemente a sua aguçada inteligência, valendo-se da disciplina exigida aos estudantes, aproveitou para estudar com afinco, não demorando para despertar dentro de si o desejo de se tornar um jornalista.

Após adulto, casou-se com Vera Kowalsky. Do casamento nasceram dois filhos, que se chamaram: Paulo e Osmar. Um fato interessante é que na certidão de casamento de Paulo Pereira Brasil, datada de 22 de outubro de 1949, consta que o seu pai era falecido em data ignorada. Que sua mãe, Vera Kowalsky Brasil residia em São Paulo. Na verdade, Dinarte estava vivo. Fato curioso, pois nenhum dos dois, nem Dinarte, e nem Vera, estiveram presentes na cerimônia de casamento do filho, ocorrida em Canoinhas.

Os irmãos de Dinarte Pereira Brasil se chamavam, Clotilde, Virgínia, Aurora, Pedro e Julieta. Os filhos de Paulino e Emília foram seis no total. Como jornalista, Dinarte peregrinou por vários jornais e periódicos do interior do Paraná e de Santa Catarina, trabalhando, inclusive, em Curitibanos. Foi diretor do “Jornal de Curitibanos” de propriedade de Heraclides Vieira Borges (1955/1958), onde se apresentou aos curitibanenses como um verdadeiro mestre na linguagem correta e atraente.

Teve os seus artigos publicados no “Correio do Norte”, de Londrina; “Voz de Jandaia”, de Jandaia do Sul; “Paraná—Jornal”, de Londrina; “A Notícia”, de Joinville e o “Jornal de Curitibanos”. Além dos artigos, Dinarte também foi gerente e redator. Escreveu também para a revista “Blumenau em Cadernos”, onde também encontramos seus artigos.

Era conhecedor da história de Curitibanos, descrevia o território e a região do município com riqueza de detalhes. Ajudou o professor paulista Douglas Teixeira Monteiro, nas suas pesquisas para a elaboração do livro “Os Errantes do Novo Século”, deixando assim, a sua despretensiosa parcela de contribuição à sua amada terra natal.

Polêmico em suas argumentações, muitas vezes incompreendido, Dinarte sofreu perseguições de todas as ordens, desde as de ordem política, como as torpes difamações, incluindo aquelas do período do regime militar no Brasil. Foi censurado e calado, dentro do que foi possível aos censores, pois tinha até um apelido, “João Teimoso”. Não se mostrava intimidado.

O Museu Histórico Antônio Granemann de Souza deve muito a esse ilustre curitibanense. Juntamente com outras pessoas interessadas na perpetuação da história local, Dinarte registrou e manteve escrito os acontecimentos da sua época, com muito amor, carinho e dedicação. Suas características principais foram a maestria na linguagem correta e atraente, dando verdadeiras lições de história, principalmente, sobre o conflito ocorrido na região do Contestado. Sabia muito, pois seu pai participou ativamente do conflito, como um membro da Irmandade Cabocla. No Museu, Dinarte ajudou na tarefa de catalogação e na organização do acervo histórico.

No dia 24 de maio de 1984, num leito do Hospital Regional Hélio Anjos Ortiz, faleceu decorrente de um infarto do miocárdio. Curitibanos perdeu o seu jornalista. Dinarte Pereira Brasil deve ser lembrado, principalmente, porque foi um exemplo daqueles raros personagens que lutaram pela manutenção dos registros da história local. Era um homem simples, nos seus últimos anos de vida, era comum o encontrarmos pelas ruas, inclusive, nos bares de Curitibanos, por vezes, comparecia nesses locais, com o seu bom humor, e também, para lembrar de quem era filho. Certa vez, no bar do falecido Gordinho, após discussão, alguém quebrou um taco de sinuca na sua cabeça. Ensanguentado, revidou com o seu guarda-chuvas, estraçalhando-o na cabeça do agressor. Resultado, ambos ficaram ensanguentados, mas sobreviveram.

Foi casado e divorciado com Vera Kowalsky Brasil. Na velhice, vivia maritalmente com Isaura de Arruda, com quem não teve nenhum filho natural, apenas uma menina que pegaram para criar.



Referências para o texto:



ALVES, Sebastião Luiz. Memórias Curitibanenses: Dinarte Pereira Brasil, A Semana, Curitibanos, Edição nº 1785, Caderno Livre, p. 03, 09 de março de 2018.


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POPINHAKI, Antonio Carlos. A guerra Santa de São Sebastião na região do Contestado – (1912-1916) - Texto de Antonio Carlos Popinhaki. Curitibanos/SC. 170 p.


Procuradores-Gerais de Justiça de Santa Catarina: resumos biográficos / organizado por Gunter Axt. — Florianópolis : MPSC, 2013. — também encontrado on-line: Disponível em: https://documentos.mpsc.mp.br/portal/manager/resourcesDB.aspx?path=688

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