quarta-feira, 23 de abril de 2025

Antonio Joaquim Henriques


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Antonio Joaquim Henriques, conhecido como Professor Tota, nasceu em 2 de julho de 1864, em Lages (SC), filho do renomado Dr. Joaquim José Henriques, primeiro Juiz de Direito da Comarca de Lages, e de Cândida Isabel da Conceição. Seu pai tinha 45 anos e sua mãe 21 anos no momento de seu nascimento. Sua família, ligada à elite intelectual e jurídica da região, proporcionou-lhe acesso a uma educação privilegiada.

Em sua juventude, estudou no Colégio Militar de Porto Alegre, onde se tornou aspirante a oficial. No entanto, abandonou a carreira militar para dedicar-se ao ensino, retornando a Lages. Trabalhou no setor público como escrivão da Coletoria da cidade de Lages, sendo exonerado do cargo em 20 de fevereiro de 1900. Tornou-se então, um “professor itinerante”, percorrendo fazendas e povoados da região serrana de Santa Catarina, como Lages, São Joaquim e Painel, além de Vacaria no Rio Grande do Sul. Lecionou para crianças de todas as classes sociais, desde filhos de fazendeiros influentes, como os coroneis Belisário Ramos e Afonso da Silva Ribeiro, até famílias humildes, ensinando-as a ler e escrever.

Além de educador, o Professor Tota destacou-se como poeta, escritor e jornalista. Sob o pseudônimo “Mateus Junqueiro”, publicou versos em jornais da época, combinando estilo romântico com temas gauchescos. Também produziu peças teatrais, como “Trapaça Matrimonial” (1903), e colaborou com pequenos jornais, chegando a editar “O Painelense” em 1917. Sua paixão pela literatura e pela língua portuguesa levou-o a escrever uma “Gramática da Língua Portuguesa”, que permaneceu inédita devido à sua modéstia. Seus manuscritos estão hoje preservados no Museu Thiago de Castro, em Lages, testemunhando seu intelecto refinado.

Professor Tota era também um trovador, recitando poesias ao violão e participando ativamente da vida cultural da região. Sua personalidade era descrita como inteligente, culta e de vivacidade extraordinária, cativando todos que o conheciam. Para iniciar as aulas de matemática, geralmente recitava: "Deus pedirá por escrito a conta do teu tempo, você que do tempo não está fazendo conta, tem que utilizar o tempo para fazer conta".

Em 30 de outubro de 1915, quando tinha 51 anos, casou-se com Benta Maria Padilha, em Painel (SC). O casamento marcou uma fase mais estável de sua vida, embora ele continuasse dedicado ao ensino e à produção literária.

O Professor Tota faleceu em 2 de julho de 1937, na Fazenda Chapada Bonita, em São Joaquim (SC), propriedade de João Fermino Nunes, no dia em que completou 73 anos. Sua morte, ocorrida durante um intenso frio, foi sentida como uma grande perda para a região, onde deixou um legado de erudição e dedicação ao ensino.

O escritor lageano Licurgo Ramos da Costa abordou em sua obra "O Continente das Lagens" o falecimento do professor Tota. Segundo o autor, o professor teria participado de uma festa no interior de São Joaquim, onde, após consumir grande quantidade de bebida alcoólica, caiu de um cavalo e veio a óbito.

Contudo, essa versão é contestada. Descendentes de João Fermino Nunes afirmam que o relato não corresponde às narrativas transmitidas por seus antepassados no âmbito familiar e nem com o registro de óbito, que para a maioria, o teor é desconhecido; sendo então apresentado posteriormente aos representantes da Associação Lageana dos Escritores, uma cópia da Certidão de Óbito, com o seguinte teor:


Aos vinte dias do mês de julho de mil novecentos e trinta e sete em meu Cartório compareceu o Sr. Fausto José Nunes, casado, residente neste município e declarou o seguinte: Que no dois do corrente, hora ignorada, faleceu Antonio Joaquim Henriques, de cor branca, sexo masculino, com setenta e dois anos, natural deste Estado, professor particular, filho de Joaquim José Henriques, já falecido. Casado com Benta Maria Padilha, não deixou filhos; era eleitor 44.ª Zona Eleitoral (Bom Jesus). Não deixou bens; deixou testamento. A morte foi violenta, causa mortis: encarangado pelo frio, conforme exame cadavérico. Ver que lavrei este termo que lido, assino com o declarante; o cadáver foi sepultado no Cemitério da Chapada Bonita.” O registro de óbito leva o n.º 351.


O professor Tota fazia contratos de seis meses com fazendeiros do interior para ensinar os filhos e as crianças sob a jurisdição da fazenda. Ele se mudava para uma acomodação cedida pelo fazendeiro e lá permanecia durante esse período. Quando o contrato estava perto do fim, mesmo que o fazendeiro demonstrasse interesse em mantê-lo, o professor Tota tinha uma estratégia: começava a beber bebidas alcoólicas, deixando o proprietário sem alternativa a não ser dispensá-lo. Assim, ele conseguia se mudar para outra fazenda e prosseguir com seus ensinamentos.

O professor repetiu a mesma estratégia até ser contratado pelo senhor João Fermino Nunes, um fazendeiro da localidade de Chapada Bonita, no interior de São Joaquim da Costa da Serra. Firmado o contrato, ele permaneceu lá por seis meses, ensinando os filhos e filhas do fazendeiro.

Ao término desse período, o professor seguiu lecionando em outras localidades. Anos depois, alguns dos filhos do senhor João Fermino Nunes, já adultos, ficaram viúvos e, sem condições de criar seus filhos, levaram-nos para a casa do avô. Foi então que o fazendeiro lembrou-se do antigo mestre e foi procurá-lo, propondo que também alfabetizasse e ensinasse os netos que agora estavam sob seus cuidados.

Ao encontrar o já idoso professor, João Fermino Nunes prontamente firmou um novo contrato de seis meses. Como parte do acordo, forneceu ao mestre uma casa recém-construída nos terrenos da fazenda. Essa casa também serviu como escola, onde o mestre lecionou. Agora em idade avançada e casado com Benta Maria Padilha, o veterano educador ficaria encarregado de ensinar tanto os netos que viviam com o avô, quanto os netos que moravam nas proximidades e também, as crianças das propriedades vizinhas.

A casa/escola ainda contava com o serviço do criado do professor, conhecido apenas como Totinha. Dessa forma foi demonstrada a sabedoria e o compromisso com a educação por parte do fazendeiro Nunes. O prédio, da forma como fora construído, foi organizado meticulosamente para servir tanto de moradia, como de escola num espaço apropriado da propriedade: de um lado ficava a casa e sede da fazenda, em frente a nova escola havia um banhado, próximo, mas devidamente separado.

Diariamente, o professor Tota dedicava-se integralmente ao ensino das crianças. Ao cair da tarde, antes de retornar à sua casa, fazia questão de passar pela sede da fazenda para conversar com o senhor João. O fazendeiro, sempre cortês e hospitaleiro, recebia-o com grande cordialidade. Nessas visitas rotineiras, oferecia-lhe uma pequena dose de bebida alcoólica, gesto que demonstrava não apenas hospitalidade, mas também a compreensão dos gostos do professor. No entanto, João Fermino Nunes mantinha sempre a moderação: servia apenas o suficiente para degustação, nunca o bastante para comprometer o trabalho do dia seguinte. Afinal, as aulas precisavam continuar e o professor necessitava estar sóbrio para cumprir suas obrigações.

No rigoroso inverno de julho de 1937, a fazenda foi atingida pela tragédia: morrera um dos netos do senhor João. Como era costume nas propriedades rurais da época, havia um cemitério familiar construído ao lado da escola, destinado ao sepultamento dos membros da família e seus próximos.

Naquele dia gélido, toda a família reuniu-se para o velório e o enterro da criança. Durante a cerimônia, o professor Tota, profundamente comovido, proferiu um discurso que ficaria gravado na memória de todos presentes. Com voz embargada, questionou os desígnios divinos: “Por que levastes esta alma inocente, Senhor, e não a mim, já um ancião, cujos dias já se contam em abundância? Eu, com o meu conhecimento, sou incapaz de entender vossos desígnios.” Suas palavras ecoaram no silêncio cortante do inverno, expressando a dor coletiva que apertava todos os corações.

Após o sepultamento, o senhor João partiu para pernoitar na casa do filho enlutado, enquanto o professor Tota e os demais se retiravam. O professor, em vez de voltar diretamente para casa, dirigiu-se à sede da fazenda. Não encontrando o proprietário, apenas alguns familiares e sentindo-se à vontade no local, dirigiu-se sem cerimônia à garrafa de bebida e começou a beber. Sem o moderador costumeiro que era o senhor João, ninguém o impediu ou controlou a quantidade consumida. Em pouco tempo, os sinais de embriaguez tornaram-se evidentes.

Muitos atribuíram aquele comportamento desregrado ao emocionante discurso proferido horas antes, talvez o professor buscasse no álcool um alívio para a dor compartilhada com a família enlutada. Era uma cena triste que se desenrolava naquele já tão doloroso dia.

Com o cair da noite, todos se recolheram. O professor, visivelmente alcoolizado, partiu sozinho no frio cortante do inverno. Entre a sede e sua casa, estendia-se um banhado, cruzado por um estreito carreiro, caminho normalmente evitado por ser úmido, escorregadio e de difícil travessia, especialmente à noite. O contorno mais longo, por terra firme, era a opção sensata. Mas naquele estado, o professor Tota escolheu justamente o caminho mais perigoso: aventurou-se pelo carreiro no meio do banhado.

O professor, em seu estado de embriaguez, não conseguiu completar a travessia do banhado. Perdeu-se entre os altos capinzais e o solo encharcado, sucumbindo ao frio intenso da noite. Conforme registrado em sua certidão de óbito, a causa mortis foi exposição ao frio extremo, um triste fim para o dedicado mestre, encontrado já rígido pelo rigor mortis na manhã seguinte.

Em homenagem a sua contribuição, a Escola Municipal de Educação Básica Professor Antonio Joaquim Henriques, no bairro Centenário em Lages, carrega seu nome, atendendo centenas de crianças e promovendo projetos culturais e sociais.

Para conhecer mais sobre sua vida e obra, recomenda-se a consulta aos arquivos do Museu Thiago de Castro, em Lages, onde seus manuscritos e documentos pessoais estão guardados. O Professor Tota permanece como uma figura emblemática do planalto catarinense, cuja trajetória de amor ao ensino e à cultura continua a inspirar gerações.



Referências para o texto:


Acervo do Museu Histórico Antonio Granemann de Souza de Curitibanos/SC


Acervo do Museu Thiago de Castro de Lages/SC


139 - Secretaria de Estado dos Negócios da Fazenda. Dia 20 de Fevereiro de 1900. Jornal República. Ano XI. Florianópolis, Sábado, 3 de março de 1900, n.º 87, p. 1.


COSTA, Licurgo. O Continente das Lagens: sua história e influência no sertão da terra firme. FCC Edições, 1982.

 

FERREIRA, Kátia Marlowa Bianchi. A dupla face da cultura popular de Painel. Os cantares do risível e a crônica do cotidiano. Dissertação para obtenção o grau de Mestre da Universidade Federal de Santa Catarina — UFSC. Florianópolis, fevereiro de 2001. P. 16.


Informações de Aldair Goeten de Moraes


Informações de Luiz Marcos Cruz


NERCOLINI, Maria Batista. Histórico da cidade de São Joaquim. Blumenau em Cadernos Tomo XXVII, abril de 1986, n.º 4. P. 105, 121-122.


Projeto Político Pedagógico da EMEB Prof. Antonio Joaquim Henriques

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