terça-feira, 8 de abril de 2025

Emil Odebrecht


Texto de Antonio Carlos Popinhaki


Na fria manhã de 29 de março de 1835, nascia em Jacobshagen, Pomerânia (atual Dobrzany, Polônia), Emil Odebrecht, filho de August Odebrecht e Louise Juliane Albertha L'Oeillot de Mars. Ninguém poderia imaginar que aquele menino cresceria para se tornar um dos arquitetos do desenvolvimento de Santa Catarina e o patriarca de uma das famílias mais influentes do Brasil. Sua história se entrelaça profundamente com a colonização do Vale do Itajaí, revelando como um imigrante visionário pode transformar uma região inteira com conhecimento técnico, determinação e uma capacidade incomum de superar adversidades.

Emil chegou ao Brasil em 1856, atraído pelas oportunidades na Colônia Blumenau, fundada por Hermann Blumenau seis anos antes. Sua primeira estadia foi breve, retornou à Europa para completar seus estudos na prestigiosa Universidade de Greifswald, onde se formou em Engenharia, Geodésia e Astronomia em 1859. Esse período na Europa foi crucial, pois além do conhecimento acadêmico, adquiriu experiência militar e trouxe instrumentos topográficos modernos que revolucionariam o mapeamento catarinense. Já naturalizado brasileiro em 1859, regressou definitivamente em 1861, pronto para deixar sua marca no território que adotara como pátria.

Os primeiros anos de Emil em Santa Catarina foram marcados por trabalhos de demarcação de terras e levantamentos topográficos. Em 1863, iniciaria sua grande missão, encontrar uma rota viável entre Blumenau e o planalto catarinense, especificamente, o lugar conhecido como Curitibanos. Essa primeira expedição, composta por oito homens incluindo seu futuro sogro Heinrich Bichels, seguiu erroneamente pelo Rio Itajaí do Norte (atual Rio Hercílio) em vez do Rio Itajaí-Açu. Apesar do erro, a jornada rendeu informações valiosas sobre a bacia hidrográfica. A segunda expedição, em 1864, foi mais bem-sucedida. Acompanhado por Heinrich Kreplin, Emil tornou-se o primeiro não-indígena a percorrer sistematicamente o Alto Vale do Itajaí, documentando rotas pelos rios Itajaí, do Oeste e Taió. Seus diários registram encontros tensos com grupos indígenas e a descoberta de passagens estratégicas.

A vida de Emil sofreu uma interrupção dramática em 1865 com a Guerra do Paraguai. Como organizador do contingente blumenauense, demonstrou notável liderança ao recrutar 78 voluntários entre os colonos alemães. Serviu como tenente na Batalha da Ilha do Cerrito, onde contraiu febre palustre que o marcaria fisicamente pelo resto da vida. Ao retornar a Desterro (atual Florianópolis), trouxe não apenas as cicatrizes da guerra, mas também uma determinação renovada para contribuir com o desenvolvimento regional.

Foi em 1867 que Emil Odebrecht empreendeu sua terceira e mais importante expedição ao planalto. Nesta jornada épica, enfrentou temperaturas gélidas na Serra do Mar e testemunhou conflitos entre tribos indígenas. Em seu diário, descreve cenas impressionantes no Morro do Funil: “Avistamos urubus sobre corpos nas clareiras de pinheiros, sinal de recente combate”. Essa expedição durou 87 dias e estabeleceu o traçado definitivo para o que se tornaria a estrada Blumenau-Curitibanos.

A construção da estrada, iniciada em 1872, foi um empreendimento hercúleo. Com um projeto de 170 km que precisava superar rios caudalosos, a densa Mata Atlântica e a imponente Serra do Mar, Emil demonstrou não apenas habilidades técnicas excepcionais, mas também um talento singular para a mediação de conflitos. Um episódio revelador ocorreu na propriedade de Adão Goetten, onde se hospedou durante as obras. Segundo relatos preservados pela família Goetten, Emil encontrou o anfitrião, um homem de “mais de dois metros de altura” embriagado. Adão, por sua vez, brincando com sua esposa Bárbara, à qual chamava carinhosamente de “Berber”, ao perceber a visita de pessoas estranhas na sua casa e propriedade falou à esposa:

— Berber! Vá ver se os visitantes são gente ou elefante, jacaré ou o quê?

Emil e seus companheiros ouviram as palavras de Adão. No entanto, com humor e diplomacia, Emil conseguiu conquistar o apoio desse personagem peculiar, algo essencial para o avanço dos trabalhos na região de Curitibanos. O objetivo era abrir uma picada que ligasse o planalto à localidade de Rio do Sul, como parte dos planos para a futura construção de uma ferrovia. Emil e sua equipe de trabalhadores foram hóspedes de Adão Goetten.

A passagem pela casa de Adão Goetten foi determinante. Em 1968, anos mais tarde, a Estrada de Ferro Santa Catarina — EFSC planejava estender a linha ferroviária de Trombudo Central até Ponte Alta do Norte, onde se conectaria ao futuro Tronco Sul — um ramal que seguiria até Marcelino Ramos, na divisa com o Rio Grande do Sul. Devido às dificuldades impostas pela Serra Geral, esse trajeto parecia mais viável do que a alternativa que passava por Otacílio Costa e pela outra Ponte Alta.

Os desafios técnicos eram imensos. Emil desenvolveu pontes de madeira no estratégico Passo Concórdia e sistemas de drenagem para áreas alagadiças. Na Serra do Mar, implementou zigue-zagues com inclinação controlada (5% de declive), técnica inovadora para a época. Os obstáculos financeiros eram igualmente formidáveis. Com recursos escassos, criou um sistema misto de pagamento (parte em moeda, parte em vales) para os trabalhadores, enquanto pressionava incansavelmente o governo provincial por verbas. Em 1886, quando o governo alegou que a estrada não se enquadrava como via “colonial”, Emil redigiu um detalhado memorial técnico que garantiu a continuidade dos trabalhos. A estrada foi aberta como um “picadão para Curitibanos” em 1878 foi concluída. Em 1898, tornou-se vital para o escoamento de erva-mate, madeira e gado entre o litoral e o planalto.

Paralelamente às obras rodoviárias, Emil deixou sua marca no sistema de comunicações catarinense. Como engenheiro-chefe dos Telégrafos (1881-1897), construiu linhas conectando Blumenau a Brusque e Lages, e mapeou rios estratégicos como Uruguai e Peperi-guaçu. Sua expertise cartográfica foi crucial na Comissão de Limites Brasil-Argentina (1887), onde ajudou a resolver as disputas territoriais.

Em sua vida pessoal, Emil construiu uma família tão notável quanto suas obras públicas. Seu casamento com Bertha Carolina Bichels em 10 de fevereiro de 1864, em Blumenau, gerou 15 filhos, dando início a uma verdadeira dinastia. Seus descendentes incluem figuras como Emílio Henrique Baumgart (neto e pioneiro do concreto armado no Brasil) e Norberto Odebrecht (bisneto e fundador do império empresarial que levaria seu nome). O arvoredo que plantou nos fundos da Igreja Luterana de Blumenau, com espécies exóticas e nativas, tornou-se um símbolo desse legado familiar: assim como as árvores, sua descendência se ramificaria por todo o país.

Emil Odebrecht faleceu em 6 de janeiro de 1912, deixando um legado multifacetado. Fisicamente, a estrada Blumenau-Curitibanos (base da atual BR-470) e o detalhado mapeamento de Santa Catarina. Institucionalmente, a estruturação dos correios e telégrafos regionais. Familiarmente, uma linhagem que continuaria a moldar o desenvolvimento nacional. Odebrecht não apenas abriu caminhos na mata, ele traçou rotas para o progresso que Santa Catarina seguiria por gerações. A sua vida exemplifica como visão técnica, persistência e capacidade de mediação podem transformar tanto paisagens quanto destinos coletivos, provando que o verdadeiro desenvolvimento vai além da infraestrutura física, enraizando-se no tecido social e nas instituições que sustentam o progresso.



Referências para o texto:


Com informações de Aldair Goeten de Moraes


Enciclopédia História de Santa Catarina. Volume II, p. 65. Grafipar, Curitiba/PR, 1970.


Portal FamilySearch. On-line, disponível em: https://www.familysearch.org/pt/tree/person/details/99TM-SJN


WITTMANN, Angelina Camargo Rodrigues. Emil Odebrecht - 75.º aniversário de um de seus bisnetos - Blumenau SC. Blog pessoal. On-line, disponível em https://angelinawittmann.blogspot.com/2017/04/emil-odebrecht-75-aniversario-de-um-de.html


WITTMANN, Angelina Camargo Rodrigues. A Ferrovia no Vale do Itajaí. Dissertação do Programa de Pós-graduação em urbanismo, História e Arquitetura da Cidade. UFSC, 2008. 277 p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário